O perigo para os príncipes são os aduladores
Redação DM
Publicado em 2 de abril de 2018 às 22:25 | Atualizado há 7 anos
País, Itália; cidade, Florença no final dos anos de 1400 e início dos anos de 1500. Lá, um jovem de uma família nobre falida começava a destacar-se na vida pública de seu país; e, aos 29 anos, assumiu a segunda chancelaria responsável pelas guerras e pela política interna.
Cabia-lhe cuidar das tarefas burocráticas e dos assuntos políticos e diplomáticos. Participou esse jovem florentino de inúmeras missões na corte francesa. Astuto observador, tornou-se um íntimo conhecedor das engrenagens do poder.
As realidades políticas mudam como mudam as figuras do caleidoscópio. Em Florença, a mudança ocorreu com os novos donos do poder liderados pela família Médici. A partir daí, o mundo do jovem florentino caiu. Acusado de ser responsável por uma política anti-Médicis, ele foi preso e torturado. Daí veio o ostracismo até sua morte.
No exílio, escreveu um pequeno grande livro que se tornou uma espécie de bíblia para todos os homens públicos que almejam se manter no poder. O personagem que vos falo é o mestre dos mestres da ciência política, Nicolau Maquiavel; a obra em questão é o seminal, “O Príncipe”.
Posto isso, creio ser oportuno reproduzir, neste espaço, alguns dos sábios conselhos que Maquiavel dá aos príncipes que desejam se imunizar de uma praga que faz ruir principados: os aduladores.
Primeiro: A Peste dos Aduladores:
“[…] os aduladores, espécie de que as castas se encontram cheias. Os homens comprazem-se de tal modo com as coisas que lhes dizem respeito e de modo tão ilusório, que só muito dificilmente se precavem (SIC) contra esta peste.” Para se livrar dessas figuras indesejáveis, Maquiavel aponta um só caminho aos príncipes que desejam manter seus principados: convencer os poucos escolhidos a seu redor que não ofendem [o príncipe] quando dizem a verdade. Meu comentário: presenciei inúmeros príncipes (secretários, presidentes e diretores de empresas estatais, etc.) perderem a cadeira, do dia para noite, porque deram ouvidos aos aduladores. Estes jamais são compromissados com a verdade dos fatos. Resultado: os aduladores dizem aos príncipes aquilo que a eles agrada. Sem a luz da crítica, os governantes tornam-se incapazes de enxergar a realidade que os cerca.
Segundo: O Príncipe deve ser prudente
E a prudência vem da seletividade em torno dos escolhidos para dizerem ao príncipe a verdade.
“[…] deve dispor [o príncipe] de uma terceira via, escolhendo no seu estado homens sábios, devendo só a esses conceder livre-arbítrio para lhe falarem a verdade”. Mas não é qualquer verdade. A verdade maquiavélica é aquela que o Príncipe aos sábios perguntava . Nada mais.
Meu comentário: presenciei muitos príncipes caírem por terem-se curvado ao canto da sereia dos aduladores, cuja competência evidencia-se na boa lábia, tão comum num país repleto de charmosos como é o Brasil. Vão por mim: Quando o príncipe perde seu principado, os aduladores vergam-se facilmente aos novos donos do poder.
Em conclusão, vai aqui um exemplo regional de ascensão e queda do poder de um personagem . Esse, por muitos anos, era bem íntimo do poder. Lembro-me como se fosse hoje: o cortejo dos aduladores e seus presentes milionários eram tantos, que se tornava difícil até cumprimentar tal pessoa. “Se eu não contribuir, não me dão obra”, assim se expressou sinceramente um adulador empreiteiro com interesse nas tetas das obras públicas.
O mundo de glamour de nosso personagem começou a cair no momento em que o Brasil começou a mudar. Da glória ao inferno, o caminho foi rápido. O milionário patrimônio derreteu. Os bens tornaram-se indisponíveis pela Justiça, a prisão ou a liberdade com uso de tornozeleira eletrônica evidenciaram o julgamento moral da sociedade. Os “amigos”, que antes existiam, hoje, não existem mais. Os aduladores, que antes lhe beijavam os pés, hoje, viraram-lhe as costas. Maquiavel está mais vivo do nunca!
(Salatiel Soares Correia, engenheiro, bacharel em Administração de Empresas, mestre em Planejamento Energético. É autor, entre outras obras, de Cheiro de Biblioteca)