Opinião

O planeta em extinção

Diário da Manhã

Publicado em 16 de julho de 2016 às 02:58 | Atualizado há 9 anos

Dois milhões de metros quadrados desmatados em Riviera de São Lourenço, previsão de um projeto de 1970. A título de compensação, outra adquirida, próxima à Serra do Mar, pela Sobloco, que não atrai para o lazer. Além de alguns equipamentos públicos para melhorar os serviços de Bertioga, foram levadas para a outra área 124 mil espécies de animais.

Anfíbios (provavelmente a espécie já esteja morta), répteis, aves e mamíferos, grupo que tinha nossos irmãos “homos” orangotangos (faltou muito pouco, na evolução das espécies, para que estes desenvolvessem os cérebros para que pudessem protestar). Mas, se isso tivesse ocorrido, talvez fossem funcionários da Sobloco. Quatís, gambás coelhos e outros também mudaram de domicílio.

O Ministério Público Estadual ajuizou, em 1991, ação civil pública com o escopo de impedir o descalabro, mas o Tribunal de Justiça somente acolheu parcialmente a pretensão da Instituição, que renovou a demanda, porém o resultado foi sua extinção, no âmbito de um recurso impróprio e sob o fundamento de direito adquirido. Direito adquirido ao desequilíbrio de nossa natureza… Agora, só faltava 15% para o complemento da tragédia. Houve embargos, algumas construções demolidas e seus compradores ressarcidos. Final da ópera: hoje tudo está resolvido: os empreendedores e seus cúmplices se valeram da teoria do fato consumado.  Tem sido sempre assim. Foi o que ocorreu em Jurerê Internacional, talvez o empreendimento mais luxuoso do Brasil, com ampla devastação de mata atlântica.  O Ministério Público não julga, caracteriza-se pela seriedade e leva o litígio ao Judiciário, mas, não raro, predominam interesses maiores aos do povo em dialogar harmonicamente com a natureza.

Quando um empreendimento já provocou todos os males que poderia provocar à natureza e a substituiu por suntuosas edificações a ferro e cimento armado, com as contribuições de engenheiros de renome (só se criticam os advogados de renome, ao defenderem grandes “criminosos”) e arquitetos idem, que encheram seus cérebros das lições modernas de Le Corbisier, seria um “non sense” repor a integralidade das coisas ao estado anterior por meio de uma demolição generalizada de construções sofisticadas. O descumprimento do dever fundamental se transforma em indenização e providências compensatórias, longe de reparar um mal irreparável.

Esse mal, em Riviera, consumou-se e vem descrito em sua fatal irreparabilidade nos jornais deste último fim de semana. Mais um passo foi dado, sem exagero, no sentido da inevitável extinção do planeta que nos foi reservado para habitar, conservar e melhorar.

Não se transferem espécies como as 124 mil transladadas. Não foi por plebiscito que elas aportaram em Riviera de São Lourenço, depois de ouvir os comentários dos ricos de São Paulo. Talvez por um acaso, há milhões de anos, seu sítio primordial, que permitiu a subsistência de tantas espécies, foi lá assentado, qual aqueles acasos que cientistas admitem como parte da vitória da natureza, ainda misteriosos. A questão está em pôr-se o desenvolvimento no compasso da natureza ou contrariamente a ela. Não é deixar de construir, mas o exemplo citado é uma prova entristecedora do agir do homem contra a natureza, contra a sobrevivência do planeta.

O filme não é novo e se repetirá, comprovando o que o físico Stephen Hamking acaba de dizer no festival de Stamus: não sobreviveremos por mais mil anos (dez gerações muito bem cuidadas pelos serviços de saúde). O planeta terra não propiciará vida.

Não se transferem espécies estabelecidas em seu habit “a trouxe mouxe”. O desequilíbrio da natureza é inevitável. O problema é que essa política “compensatória” é feita sem amor. Bacon jamais se cansou de dizer que conhecimento sem amor pode ser corrupto e mau. Aldous Huxley afirmou em “A situação humana” que somos integrados à natureza e há uma ponte que devemos atravessar para comungar de sua intimidade e manter o equilíbrio do mundo. O autor do “Admirável Mundo Novo” dá exemplos sensíveis das consequências negativas que advieram do fato de o homem não ter atravessado essa ponte para implementar seus projetos. O Líbano, um país mínimo, perdeu a maioria de seus cedros.

Ficou uma pequena sobra do que compunha uma gigantesca floresta, que o Rei Salomão utilizou para edificar seu templo e o Egito para cobrir seu deserto. Huxley lembra Chateaubriand, “les forêts précedente les peuples, et les déserts les suivent” (as florestas precedem as civilizações, e os desertos as seguem). Segundo a Sociedade Internacional de Proteção à Natureza (do tempo de Huxley), cinquenta espécies, só de mamíferos, foram eliminadas durante o século XIX, quarenta desde 1990 e seiscentas estão condenadas. Há muitas outras extinções trágicas à ecologia, as quais se podem somar, com certeza, muitas das 124 mil espécies da Sobloco.

Um acordo judicial encerrou o problema, com o aval da Prefeitura de Bertioga, ansiosa pelos respectivos impostos. Até porque tudo estava consumado.  Em anos a verticalização de Bertioga terá aumentado em 15%. Os paulistanos poderão deixar este caos nos fins de semana e aproveitar a Riviera. Alguns, os mais velhos, talvez se dedicarão à leitura de cientistas e filósofos, como os citados,  sobre a escatologia da Terra.

 

(Amadeu Garrido, advogado, poeta, autor do livro Universo Invisível e membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas)


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