O que é justiça?
Redação DM
Publicado em 5 de janeiro de 2017 às 02:00 | Atualizado há 8 anos
Não sei se na sexta ou sétima década do século XX, em uma cidade do sudoeste goiano, havia um homem cujo nome era Quintino. Aliás, não se chamava Quintino, concedo-lhe, por razões que me parecem óbvias, esse prenome.
Nem rico, nem pobre, era remediado, como diz o povo. Proprietário rural de médio porte. Deveria ter 70 janeiros, pouco mais ou pouco menos, quando se deu, na sua casa, a desgraça objeto desta modesta crônica – será mesmo uma crônica, tecnicamente falando?
Tinha quatro filhos, todos varões casados que, a exemplo dos pais, gozavam do respeito e da estima da sociedade. Vivia o senhor Quintino em paz com a esposa, dona Guilhermina, do lar, ambos de família tradicional do lugar.
Certa manhã, chegou-lhe a notícia de que, na estância do Quintino Filho(naquele município plantada), um ignorado malfeitor entrara na casa modesta, muito modesta, dessas de chão batido, do empregado Zequinha, estuprara e matara a consorte deste, a jovem Eulália, que se encontrava sozinha.
Quintino, o pai amoroso, o homem honrado, tomado de indignação saiu à rua sem destino certo; não andou muito entrou em um salão de barbeiro, lugar onde a prosa corre livremente a construir ou a desconstruir personalidades. Desejou bom dia aos presentes – umas quatro pessoas – e verbalizou seu pesar pela vítima e família e revolta contra o vil criminoso. Que e a polícia “não perdesse tempo com eese monstro”, que o matasse sob tortura, que se lhe amputasse o pênis e deixasse o cadáver à disposição das aves de rapina. Lamentava não haver pena de morte no Brasil. Só não falou mal dos Direitos Humanos porque esse infeliz discurso não existia naquele tempo. O pequeno público já sabia da tragédia, mas fez de conta que a ignorava e a lamentou. Ele se despediu e entrou em um bar, onde a prosa é mais livre do que a prosa da barbearia pelas razões por demais conhecidas, e reiniciou seu desabafo, mas cinco minutos não se passaram quando um dos presentes o interrompeu para dizer-lhe que, pela cidade, ouvia-se dizer que fora Quuintino Filho o praticante dos dois crimes: estupro e assassinato. Mudou-se lhe o semblante, nova peperplexidade o invadiu, cresceu sua raiva e soltou impropérios contra o autor da “calúnia endereçada ao meu primogênito”. Retirou-se, não acreditando no que ouvira, de volta ao lar, onde encontrou a fiel companheira tomada de vergonha e dor porque o filho à polícia se entregara e confessara, espontaneamente, a autoria dos crimes. Quintino, abraçado à esposa, com força chorava. Fazia-o pela vítima, pela família enlutada, pelo seu próprio lar dignificado no trabalho honesto, no bem exemplo e agora ultrajado, machucado, vilipendiado. Lágrimas lhe molhavam o rosto e o coração paterno, agredido e estraçalhado, empurrava seu peito. E ele teve medo de que a polícia judiasse do seu filho criado na estrada da retidão. Mandou chamar o Dr. Gildo, seu parente, amigo de longa data, advogado de larga experiência na área criminal para que ao Quintino Filho se assegurasse amplo direito de defesa e que não o torturassemj. Ainda bem, dizia ele, no Brasil não havia pena de morte e seu filho tinha um passado sem mancha.
“Eu declaro que a justiça não é outra coisa, senão a conveniência do mais forte” – Platão.
Que cada leitor tire suas conclusões.
(Filadelfo Borges de Lima, autor de vários livros, sócio-fundador da Academia Rio-Verdense de Letras, Artes e Ofícios” e do Instituto Histórico e Geográfico de Rio Verde”, auditor aposentado do Fisco do Estado de Goiás – [email protected])