O risco da generalização de críticas às cooperativas habitacionais
Diário da Manhã
Publicado em 24 de setembro de 2018 às 23:03 | Atualizado há 7 anos
É notório que o ramo imobiliário brasileiro possui alguma margem de crescimento em decorrência do trabalho realizado pelas cooperativas habitacionais. No entanto, ao mesmo tempo em que elas apresentam uma influência positiva no ramo, algumas vezes também podem apresentar uma influência negativa se fugirem de suas funções e finalidades. E é a isso que temos de estar atentos, vez que é significativo o número de processos judiciais envolvendo esta modalidade, atualmente.
As cooperativas habitacionais possuem características bastante peculiares e por isso se tornam instituições bem diferentes de outras pessoas jurídicas típicas de mercado. Em linhas gerais, é uma reunião de pessoas em torno de um projeto habitacional com custo mais baixo, sem que se fale em fim lucrativo por parte da instituição cooperativa e de seus membros-cooperados.
A função da cooperativa habitacional, basicamente, resume-se em encontrar um terreno onde é possível e viável executar a obra desejada, e com as contribuições dos cooperados ao longo do tempo – tudo combinado previamente e de forma clara, segundo os princípios universais do cooperativismo –, dar início a obra e providenciar a transferência das unidades construídas para o nome dos cooperados.
Em relação ao valor financeiro ali “investido”, a cooperativa habitacional somente deve administrar o dinheiro dos cooperados para efetiva a realização de um empreendimento habitacional, e as regras sobre isso devem constar no estatuto social, bem como no regulamento geral da cooperativa, onde se deve conter boas práticas de conformidade em relação aos relacionamentos e possíveis conflitos de interesse entre diretoria e cooperados e, principalmente, diretoria e terceiros.
Tudo explicado, as polêmicas surgem quando as cooperativas habitacionais se desviam de suas funções para, dentre outras coisas, a obtenção de lucros por parte de membros diretores, a ponto de alguns nominá-las como “incorporações imobiliárias de fachada”. É claro que é preciso ter bastante cautela para não se generalizar e “condenar” as cooperativas habitacionais que de fato cumprem com seus deveres sociais. Naturalmente que o mercado imobiliário e seus empreendedores, com as suas superestruturas empresariais organizacionais e técnicas, não gosta e não suporta a ideia de que pessoas possam se unir e conseguir fazer uma obra pagando-se um preço muito menor, mediante organização própria do cooperativismo, que não tem caráter lucrativo.
Entretanto, é imprescindível que se averigue caso a casa para constatar se trata-se de uma verdadeira cooperativa habitacional, ou se a instituição cooperativa está sendo usada como uma mera fachada para o exercício fraudulento de uma atividade empresarial, como, por exemplo, nos casos em que incorporadoras e seus sócios e investidores ocultos se aproveitam de consumidores inocentes e sem informação para travestirem uma obra nada “barata” por meio do sistema de cooperativismo, incluindo aí a supressão de direitos básicos dos cooperados.
E, para isso, é preciso estar bem à par quanto ao conceito, características, funções e finalidades de uma cooperativa habitacional, para ser capaz de julgar cada caso específico e não generalizar a infeliz ocorrência de desvio de finalidade e até eventual corrupção, como vemos nos noticiários. O que deve ser observado de forma crítica é o caso concreto e, sem julgamentos antecipados, deve-se realizar um estudo aprofundado, com a presença de consultores, auditores ou mesmo pessoas experientes (advogados, contadores, empreendedores), para sanar as dúvidas a respeito da forma de funcionamento, regimes de conformidade ética e da prestação de contas de uma cooperativa habitacional.
Existem duas modalidades básicas de “desvio de finalidade” de uma cooperativa habitacional, a de desvio de finalidade que embora respeite todas as normas de criação, a atuação de seus dirigentes é ilícita ou imprópria, que promovem loteamentos irregulares ou clandestinos, bem como práticas político-eleitorais, como a organização de invasões de terras. A outra é o desvio de finalidade já na formação da instituição cooperativa, o que significa que o próprio estatuto social já apresenta problemáticas que podem muito bem definir objetivos societários estranhos, principalmente, à própria noção de união em prol de uma construção e respectivo repasse ao cooperado de unidades imobiliárias com destinação previamente acordada e dentro de princípios da informação e transparência.
Estes desvios, uma vez detectados, naturalmente promovem consequências que devem ser analisadas e penalidades devem ser aplicadas, impondo, naturalmente, a responsabilidade conforme cada caso.
No entanto, repito, é preciso atuar com atenção, rigor e parcimônia na análise de ser ou não ser um cooperado habitacional, pois há aqueles que querem de fato utilizar os interessantes benefícios da cooperativa habitacional e contribuir para o bem da sociedade, e, esses, devido aos casos de desvio e corrupção existentes, acabam sofrendo as consequências diretas ou indiretas pela generalização negativa, em face da existência de cooperativas habitacionais, que é imposta pela mídia, instituições do mercado imobiliário de interesse dos empreendedores, pessoas do meio imobiliário com interesses pessoais, etc. Por isso é imprescindível uma pesquisa bem feita por parte de possíveis pessoas que queiram se tornar “cooperados”, e necessária a divulgação pública dos atos das cooperativas habitacionais por parte de seus diretores, tudo para se promover segurança, clareza e credibilidade.
O “sistema de cooperativas habitacionais”, em nossa visão, não carece de alterações legislativas para que essas problemáticas acima apresentadas sejam sanadas, contudo, uma alteração legislativa poderia ser realizada para se aumentar ainda mais seus benefícios, principalmente quanto a concessão de margem de financiamento destinada ao desenvolvimento de empreendimentos de interesse social, pois as cooperativas poderiam exercer grande influência no ramo imobiliário e alcançar uma função social maior no mercado brasileiro.
Enfim, independente de legislação, de tentativas de “consertar” as problemáticas do mercado, sempre haverá aqueles que buscam benefícios para si próprios acima dos benefícios que possui com a simples participação na determinada instituição cooperativa, mas também sempre haverá aqueles que cumprem e fazem o bem, proporcionando melhorias e desenvolvimento do mercado imobiliário.
(Dr. Franco de Velasco e Silva, presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB-GO / Dra. Mariana Motta Ribeiro, ambos membros do escritório Vellasco, Velasco & Simonini Advogados)