O rumo dos indignados – II
Redação DM
Publicado em 12 de abril de 2017 às 02:24 | Atualizado há 8 anos
Pouco importando a origem dos recentes levantes político-sociais no Brasil, acentuados em 2013; se venham dos movimentos franceses de Maio de 68 ou de 2005; partam da periferia das cidades ou não, tendo a violência como resistência; o certo é que as ruas estão cheias de cartazes sobre quase tudo, mostrando que não adianta mais as promessas cínicas e a aplicação da cultura do atraso, da qual nem a classe média se imune. Chega de cinismo, há muito tempo precisando sair do rosto dos políticos. Desconfiem de que há sinceridade na alma e coração do povo, desejando mudar, antes de tudo, a si mesmo, o Brasil e o mundo. Vejam que de tanto descrédito, todas as promessas, jeitinhos, astúcias, palavras ocas ou de efeito, tornaram-se intoleráveis. São parolagens. Isto é tão sério que o 20 de junho, já está definido pelos meios de comunicação, inclusive os mais tradicionais e conservadores, como o dia em que o poder do povo parou os governos. Todos, o que me parece um fato inédito, senão raríssimo, em todos os movimentos ou manifestações políticos anteriores. Os protestos de rua, de tão fortes e adequados por sua relevância histórico-filosófica, além de colocar o Movimento Passe Livre (MPL), uma das causas imediatas de tudo o que aconteceu em mais de 15 dias de protestos no Brasil, sem dúvida nenhuma ficará na história política do Brasil como um momento grandioso, impactante, terrível e emblemático, a ser argutamente escrito e degustado no futuro, pouco valendo o viés que possa tomar ou as surpresas que lhe são características.
Não posso esquecer os saques, invasões, quebra-quebras e outras violências ocorridas, inclusive com a morte, caracterizando o que denominam vandalismo, havendo os que acham que seriam atos abusivos e desnecessários. Contudo, na guerra não podem ser vistos somente assim. Sobretudo na guerra fundada na indignação pública e na inércia cínica insuportável dos que são obrigados pela resolução dos problemas da Nação, esses atos são também uma resistência, precisando ser analisada com mais desvelo, mais argúcia e mais serenidade, a mais impolítica das virtudes, segundo o pensador Norberto Bobbio, mostrando, assim, uma irresistível oposição vinda do mais fundo sentimento dos revoltados e indignados, responsáveis pelo fim da letargia e apatia. Trata-se de atos praticados ao calor das emoções, em momentos efêmeros, sempre perigosos, nos quais as próprias emoções, como as verificadas no movimento das ruas e praças, viram motim e agitação popular, dignos da história, por estranha que pareça. A origem da violência dos vândalos parte, certamente, do frêmito ou comoção, vale dizer, do “sentimento insuportável e paroxístico”, das pessoas indignadas, aos milhões no Brasil.
Além do caso vindo dos vândalos, que é muito mais abrangente do que se possa pensar na própria administração pública brasileira, inclusive entre os eleitos que superfaturam até merenda escolar, assisto no Brasil a outra violência, já de caráter oficial, bem pior, mais antiga e mais cruel, por atingir diretamente as pessoas indignadas, a tal “truculência policial”. Trata-se de violência clássica, também muito abrangente que, apesar de tudo o que já se escreveu dela e sobre ela, ainda exige estudos aprofundados, sobretudo em aprimoramento educacional e político, visando desvesti-la, combatê-la, reduzi-la e erradicá-la. Sua origem, também caracterizando uma violência do Estado, é mais antiga, representada por um atavismo cultural escravista ainda vigente nos resquícios autoritários mantidos pela mente colonizada dos governos e dos seus policiais, ironicamente, também vítimas de quatro séculos de escravismo moderno, de onde se originam as chamadas escravidões contemporâneas, estranhamente ainda vigentes no Brasil e no mundo. A violência da “truculência policial”, onde o próprio policial é uma das vítimas, também tem sua história triste, vista na própria resposta à rebeldia que os indignados oferecem, sempre plena dos mais incríveis aparatos bélicos, demonstrados e exibidos por cassetetes, balas de borracha, gases lacrimogêneos, bombas de efeito moral, sprays de pimenta e outros utensílios de guerra.
É bom poder afirmar que vi durante toda a semana, milhares de pessoas tomando as ruas de todo o país, mostrando maior consciência política e demonstrando que não são mais massa de manobra ou marionetes, particular destacado pela jornalista do DM, Marialda Valente, num oportuno texto de 24 de junho, ao ironizar a historinha dos 20 centavos, reduzindo tarife de ônibus:
“Na surpresa de movimento inédito a mídia oficial esforçou-se para tentar desqualificar o movimento. Adjetivou os integrantes de vândalos, desocupados, desordeiros. Até tentaram apontar supostos líderes. Em vão. É um movimento espontâneo das massas. Numa costumeira insistência, a mídia subestima a inteligência do povo, apostando numa massa acéfala comandada tal qual um fantoche”, acrescentando, após reconhecer que o povo, com baderna ou não, é a favor dos protestos, que “… não adianta pensarmos que o povo é um rebanho, comandado pela esquerda ou pela direita, pelas igrejas ou pelos ateus, pelos partidos ou pelos apartidários, pelo movimento passe livre, pelos ambientalistas, pelos reacionários ou pelos anarquistas (ambos radicaloides inconsequentes) ou qualquer outra ideologia”, oportunamente, finalizando:
“O que estamos assistindo é um movimento natural, espontâneo, como o das flores que se levantam na primavera”.
É realmente um movimento contemporâneo, diferente, dotado das características descritas, não sendo tão surpreendente como muitos imaginam, tratando-se de indignação mais profunda, mais antiga, vinda de anos e anos de descaso dos poderes constituídos, também há anos postos em xeque, aliás, de tanto o que fizeram de feio os seus representantes, ressalvadas as exceções. Creio ser assim que devo assimilar e compreender tudo o que está acontecendo no país, já deixando importantes efeitos como resultado dessa luta indelével dos indignados, vislumbrando os seus primeiros rumos, suas primeiras vitórias e, principalmente, suas primeiras conquistas, sem sombra de dúvidas, evidenciados perante os Poderes Republicanos, agora, como nunca, trabalhando celeremente, fato que mostra que o desejo do povo, representado pelos milhões de indignados, alem de forçar e conquistar a opinião pública brasileira, alcançou, também, as instituições citadas, inicialmente responsáveis pelas resoluções das inúmeras questões de ordem política, legal e jurídica da Nação, por séculos empurradas com e pela barriga, a omissão e o cinismo, num país onde, consoante o sociólogo francês, Alain Touraine, especialista em América Latina, as “instituições são fracas e a corrupção é profunda”.