O supremo ontem e hoje (I)
Diário da Manhã
Publicado em 2 de agosto de 2018 às 23:17 | Atualizado há 7 anos
Em novembro de 1964 o governador Mauro Borges, ante repetidas ameaças de violência por parte do governo militar constituído em consequência do golpe cuja perpetração teve início em 31 de março daquele ano, impetrou pedido de habeas corpus junto ao Supremo Tribunal Federal. A Suprema Corte, por oito votos a zero concedeu a ordem requerida.
Foi uma decisão histórica. O sistema e o regime militares presididos pelo marechal Humberto de Alencar Castelo Branco tinham a exacerbar suas ações de cunho ditatorial o segmento mais radical que era a chamada Linha Dura. A violência institucionalizada já cassara os governadores Miguel Arraes, de Pernambuco; Seixas Dória, de Sergipe; e Badger da Silveira do Estado do Rio, além de várias dezenas de parlamentares do Congresso Nacional. A campanha dos adversários do governador goiano se iniciara logo nos primeiros dias do golpe. De abril a novembro o golpismo desenvolveu a sua ação em crescendo impressionante, de tal modo que a perspectiva de deposição de Mauro Borges manu militari suscitou a impetração do pedido de habeas corpus. Ante a concessão do STF o marechal presidente Humberto de Alencar Castelo Branco decretou a intervenção federal que alijou do governo Mauro Borges, então moço de 42 anos. Alguns dos ministros responsáveis pela concessão tiveram tempos depois os seus direitos políticos suspensos por 10 anos.
Evoco esses fatos a fim de estabelecer comparação com o STF de hoje. A decisão em favor de Mauro Borges foi de todo um colegiado – 8 votos a zero. Hoje o STF está caracterizado por decisões monocráticas em sua grande maioria. Assiste-se quase diariamente ao arbítrio de um só ministro no julgamento não só de habeas corpus mas em várias outras decisões. Recentemente a opinião pública, estarrecida, foi surpreendida por liminar de um ministro impedindo a realização de sessão de júri popular dos mais rumorosos aqui em Goiânia. Concretizada a suspensão poucos dias depois o ministro que a determinou revogou-a, de modo a que o júri seja realizado. Tal ocorrência nos anais judiciários talvez seja inédita. Como inéditos são muitíssimos despachos e sentenças que monocraticamente os atuais ministros do STF proferem.
De poucos anos para cá mudaram muito, demais mesmo, o cenário, a forma e o conteúdo da atuação do STF. Predominam os vereditos pessoais em muito maior número do que os de colegiado, resultando instituída, portanto, uma competência ultra exagerada do ministro.
O tema exige desdobramento. Falo-ei com o artigo da próxima semana.
(Eurico Barbosa, escritor, membro da AGL e da Associação Nacional de Escritores, advogado, jornalista e escreve neste jornal às sextas-feiras. E-mail: eurico_barbosa@hotmail.com)