Olhos de fogo
Redação DM
Publicado em 28 de março de 2018 às 23:32 | Atualizado há 7 anosAlém de imprescindíveis a composição dos nossos sentidos, os olhos, são os condutos da alma ou janelas da alma, conforme abalizados desde sempre. São chamadas de olhos, também, várias coisas comparáveis a estes, por exemplo: olhos-d’água, dádiva para os viventes- devem ser preservados; olhos da cana, os brotos da cana, e assim por diante. E, ainda, nomeiam inúmeras tranqueiras esquisitas que os “deuses” terrenos vão inventando: Olho de Boi, famoso selo nacional; olhos de gato, sinalizadores de trânsito; olho da enxada, contra o crânio é fatal; olhos da cara, demasiadamente caro ou caro demais da conta! Olho de lobo, talismã – cegam um animal para dar um amuleto a outro! Olho de peixe, olho de sogra, olho gordo, olho clínico, olho biônico, olho disso, olho daquilo…
Penso, sem nenhum princípio científico ou teológico, que O Criador, talvez no sétimo dia de Gênesis, antes de iniciar o merecido descanso domingueiro, reparou ter feito apenas diáfanos os olhos das criaturas. E, desejoso de enriquecê-los de beleza decidiu dar cor, pelo menos, a uma parte do globo ocular. Tomou de um pincel e foi tingindo-os com os tons da natureza. Buscou o verde alegre das gramíneas e os mistérios dos profundos pelágios, e, adicionando-os começou a pincelar os olhos dos viventes, fez olhos glaucos. Um pouco do azul sem fim do céu e dos lagos tranquilos; o fulgor do amarelo topázio e a doçura do mel de abelhas, todos orlados de branco neve. Enlevado e absorto, resvalou o pincel embebido de vermelho-maçã nos olhos do curioso coelho, que lhe roçava os pés, pulando pra lá e pra cá, atrapalhando-o na concentração criadora e, fez-lhe, então, Deus, com róseo-avermelhado aquele par de assustados olhinhos (deve ter sido o coelhinho da Páscoa correndo para atender a tantos pedidos de ovos de chocolate). Achou muito bonito e exótico e assim, o deixou. Em seguida, com o rubro de pétalas de flores e com algumas folhas, criou o marrom. Vez em quando, parava, mirava e admirava Sua Arte, como o faz todo bom artista.
Mas, desde sempre têm que existir os antagonistas, os invejosos, aqueles que ficam à margem e até em gabinetes, só olhando os outros trabalharem, pondo defeito e dificultando tudo, um desses espíritos de porco inatos poluidores, para desmoralizar com a Obra Divina, aproveitando de uma distração do Enlevado Pintor, lançou o carbono que vinha trazendo na concha da mão, sobre os pigmentos da sacra paleta, transformando em escuros, sombrios, grafites e breu, tudo que era claro e luzidio – que Isaac Newton, caso esteja reencarnado, não me processe!
Prosseguindo… O Senhor, que é pura sapiência e bondade, vendo as novas e enigmáticas cores produzidas, encantou-se com elas. Do preto-carvão com o azul celeste formou o cinza escuro. Com os tons de verde, preto esverdeado; com terra e girassóis, lindos tons castanhos e onde não havia cor nenhuma se formou a cor negra feito noite sem luar. Para afastar qualquer preconceito, caso houvesse, por ter sofrido interferência de terceiros, distribuiuatodos os olhos,sem distinção de cor, inteligência, vivacidade, esperteza e o brilho das estrelas. Olhos-jabuticabas verdes, de vez e maduras; céu, mar e terra, sem nenhum comparativo pernicioso, cada qual com igual valor e beleza. Só deixou que persistissem se assim o desejassem, seus donos, os olhos traiçoeiros e enganadores, os predadores e os irônicos, por saber que não conseguiriam ocultar por longo tempo, sob as cortinas do disfarce, esses desprezíveis ardis neles camuflados porque havia guarnecido as lâminas ópticas com a transparência dos cristais e o resplendor dos diamantes. As inverdades que os lábios pronunciam e afirmam os olhos sempre hão de negar – cuidado com quem não sustenta um olhar firme e direto! Também,há de se evitar os perigosos olhos de medusa, que nos petrificam, congelam. Os sutis e maliciosos, que num lampejo nos desnudam até a alma. Olhos de íris envolventes que nos hipnotizam… ao menos fossem ciclopes, nos devorariam em dose única! Olhos de fogo, que nos queimam a pele e abrasam os mais belos e sublimes sentimentos.
Quanto à ciência da verdadeira visão, lembremos que tantos são os olhos que vêem, mas não enxergam enquanto tantos outros, privados deste sentido, conseguem contemplar além do infinito muito mais do que nos permite traduzir o imaginário.
Au revoir!
(Maria Júlia Franco, bacharel em Artes Visuais, licenciada em História, especialização em Docência Universitária, teóloga, mestranda em Ciências da Cultura, membro-fundadora da Academia Palmeirense de Letras e Artes/Apla, diretora das Galerias de Arte Frei Confaloni e Sebastião dos Reis – Seduce-GO)