Opinião

Operação Mani Pulite (mãos limpas)

Redação

Publicado em 15 de março de 2016 às 22:26 | Atualizado há 9 anos

“A denominada operação “mani pulite” (mãos limpas) constitui um momento extraordinário na história contemporânea do Judiciário. Iniciou-se em meados de fevereiro de 1992, com a prisão de Mario Chiesa, que ocupava o cargo de diretor de instituição filantrópica de Milão (Pio Alberto Trivulzio).

Dois anos após, 2.993 mandados de prisão haviam sido expedidos; 6.059 pessoas estavam sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros.

A ação judiciária revelou que a vida política e administrativa de Milão, e da própria Itália, estava mergulhada na corrupção, com o pagamento de propina para concessão de todo contrato público, o que levou à utilização da expressão “Tangentopoli” ou “Bribesville” (o equivalente à “cidade da propina’) para designar a situação.

A operação “mani pulite” ainda redesenhou o quadro político na Itália. Partidos que haviam dominado a vida política italiana no pós-guerra, como o Socialista (PSI) e o da Democracia Cristã (DC), foram levados ao colapso, obtendo, na eleição de 1994, somente 2,2% e 11,1% dos votos, respectivamente.

Talvez não se encontre paralelo de ação judiciária com efeitos tão incisivos na vida institucional de um país. Por certo, tem ela os seus críticos, especialmente após dez anos. Dez suspeitos cometeram suicídio. Silvio Berlusconi, magnata da mídia e um dos investigados, hoje ocupa o cargo de primeiro-ministro da Itália.

Não obstante, por seus sucessos e fracassos, e especialmente pela magnitude de seus efeitos, constitui objeto de estudo obrigatório para se compreender a corrupção nas democracias contemporâneas e as possibilidades e limites da ação judiciária em relação a ela.” (Considerações sobre a Operação “Mani Pulite” – Sergio Fernando Moro).

Foi deflagrada na madrugada desta sexta-feira, a 24.ª Fase da Operação Lava Jato, que teve como uma de suas medidas a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à sala Vip reservada a presidente da república do Aeroporto de Congonhas para prestar esclarecimentos sobre questões relacionadas ao Instituto Lula, entidade que preside.

Houve regularidade na condução coercitiva do ex-presidente, já que a Suprema Corte brasileira já reconheceu a regularidade da condução coercitiva em investigações policiais (HC 107644) e tem entendido que é obrigatório o comparecimento de testemunhas e investigados perante Comissões Parlamentares de Inquérito, uma vez garantido o direito ao silêncio (HC 96.981).

Trata-se de medida cautelar muito menos gravosa que a prisão temporária e visa atender diversas finalidades úteis para a investigação, como garantir a segurança do investigado e da sociedade, evitar a dissipação de provas ou o tumulto na sua colheita, além de propiciar uma oportunidade segura para um possível depoimento, entre outras.

O Ministério Público Federal do Paraná reafirmou em nota oficial a necessidade de serem investigados os fatos indicativos de enriquecimento ilícito do senhor Luiz Inácio Lula da Silva, por despesas pessoais e vantagens patrimoniais de grande vulto pagas pelas mesmas empreiteiras que foram beneficiadas com o esquema de formação de cartel e corrupção na Petrobras, durante os governos presididos por ele e por seu partido, conforme provas exaustivamente indicadas na representação do Ministério Público Federal.

Dentre outras coisas, o que está em pauta é o fato de que entre 2011 e 2015, 41 empresas pagaram para Luiz Inácio Lula da Silva para dar palestras. Quatro empresas estrangeiras: do México, Colômbia, Argentina e de Angola. 37 empresas são brasileiras, dentre as quais 7 empreiteiras envolvidas na Lava Jato. Estas sete pagaram ao Instituto Lula 60% de tudo o que o instituto arrecadou dentro do período acima mencionado. Esse dinheiro, segundo o presidente da UTC Engenharia S.A., foi pago em forma de propina, mascarado de palestra. O montante investigado de repasses ao Instituto Lula é de 30 milhões de reais.

Em sua defesa, o ex-presidente se vitimiza, e diz que está sendo vítima de uma perseguição imprimida pelo Poder Judiciário, liderada por Sérgio Moro, que pertenceria ao PSDB.

É bom lembrar que o quadro do judiciário brasileiro está engessado devido às indicações do Partido dos Trabalhadores aos quadros dos mais importantes tribunais brasileiros durante todo o período em que governou, tendo sido palco de manobras que permitiram o preenchimento das vagas por pessoas ligadas a este partido.

Foram nomeados pelo ex-presidente Lula e Dilma Roussef, 8 dos 11 Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). 26, dos 31 Ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e 6 dos 7 Ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Ministros nomeados pelo PT construíram uma fala perigosa, para perseguir opositores, parlamentares de direita, que tiveram sua vida destruída em função de execração política ocorridas na era Lula x Dilma. Até a Polícia Federal foi utilizada para consolidar tais perseguições. A Ministra Carmem Lúcia afirmou, para justificar os julgamentos baseados em impropérios processuais que vem sendo aos montes propalados por estes tribunais superiores comprometidos com os interesses do poder ora estabelecidos: “Na história recente da nossa pátria, houve um momento em que a maioria de nós, brasileiros, acreditou que a esperança tinha vencido o medo. Depois, descobrimos que o cinismo tinha vencido aquela esperança. Agora parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo. O crime não vencerá a justiça”.

Fala perigosa porque a justiça prevalece apenas nos parâmetros ditados pelas leis de um país. Ela passa a ser injusta quando o parâmetro é o limite dos valores que cada um carrega dentro de si. Carmem Lúcia foi indicada pelo PT. Seu parâmetro de ‘justiça’ não nos serve para nada. Está comprometido com os interesses desse partido que achou que dominando o judiciário, dominaria as verdades, os políticos, a democracia, que aliás, se apresenta ‘vendida’, tal como foi definida por Antônio Di Pietro, em alusão à corrupção política e administrativa que havia tomado conta da Itália e a transformado em uma ‘democrazia venduta’ (“democracia vendida”).

Sergio Moro acredita que o político corrupto, por exemplo, tem vantagens competitivas no mercado político em relação ao honesto, por poder contar com recursos que este não tem. O corrupto costuma enxergar o seu comportamento como um padrão e não a exceção. A corrupção política italiana assemelha-se bastante à brasileira na amplitude, na naturalidade com que era  praticada e até mesmo na aura protetora e fatalista que parecia troná-la invencível.

“Um acontecimento da magnitude da operação “mani pulite” tem por evidente seus admiradores, mas também seus críticos.

A operação mani pulite ainda serviu para interromper a curva ascendente da corrupção e de seus custos. (…)

Há ainda registro de que, após a operação “mani pulite”, vários contratos públicos teriam sido concedidos com preços 50% menores do que nos anos anteriores. (…)

Talvez a lição mais importante de todo o episódio seja a de que a ação judicial contra a corrupção só se mostra eficaz com o apoio da democracia. É esta que define os limites e as possibilidades da ação judicial. Enquanto ela contar com o apoio da opinião pública, tem condições de avançar e apresentar bons resultados. Se isso não ocorrer, dificilmente encontrará êxito. Por certo, a opinião pública favorável também demanda que a ação judicial alcance bons resultados. Somente investigações e ações exitosas podem angariá-la. Daí também o risco de divulgação prematura de informações acerca de investigações criminais. Caso as suspeitas não se confirmem, a credibilidade do órgão judicial pode ser abalada.

Além disso, a ação judicial não pode substituir a democracia no combate à corrupção. É a opinião pública esclarecida que pode, pelos meios institucionais próprios, atacar as causas estruturais da corrupção. Ademais, a punição judicial de agentes públicos corruptos é sempre difícil, se não por outros motivos, então pela carga de prova exigida para alcançar a condenação em processo criminal. Nessa perspectiva, a opinião pública pode constituir um salutar substitutivo, tendo condições melhores de impor alguma espécie de punição a agentes públicos corruptos, condenando-os ao ostracismo.(…).

De todo modo, é impossível não reconhecer o brilho, com suas limitações, da operação mani pulite, não havendo registro de algo similar em outros países, mesmo no Brasil.(…)

O mais grave ainda é que a corrupção disseminada não coloca em xeque apenas a legitimidade do regime democrático (o que, por si só, já é bastante grave), mas também a do sistema judicial. Repetindo uma última vez as palavras de Porta e Vannucci: De fato, escândalos políticos não colocam em questão apenas a legitimidade da classe política; eles também têm um impacto na legitimidade daqueles encarregados de investigá-los: a magistratura. Em alguns casos, de fato, a descoberta de ilegalidade disseminada provoca críticas ao sistema judicial no sentido de que este estaria sendo inadequado para combater a corrupção.

Daí, por evidente, o valor, com seus erros e acertos, do exemplo representado pela operação” mani pulite”.”(Sergio Moro).

Cabe a cada um de nós, eleitores, cidadãos, de tudo o que tem sido falado, construirmos o nosso juízo de valor, subtraindo o melhor, com senso crítico e honestidade.

Silvana Marta de P.Silva – advogada e escritora.Twitter:@silvanamarta15


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