Opinião: Bolivarianismo
Diário da Manhã
Publicado em 6 de março de 2018 às 21:35 | Atualizado há 7 anos
Uma frase atribuída a Simón Bolívar diz que “um povo ignorante é instrumento cego de sua destruição”. A repetição irrefletida de que o bolivarismo é coisa de “comunista” representa a personificação dessa ignorância que, nos últimos anos, vem se propagando pelo continente, destruindo, portanto, o debate político racional e democrático – sempre tão frágil na cultura social da América Latina.
Simón Bolívar foi um dos fundadores da primeira união de nações independentes na América Latina, denominada Grã-Colômbia, tendo-a presidido de 1819 a 1830. Trata-se de u m país sul-americano extinto, tendo sido formado pela união da Venezuela e Nova Granada. A utilização do termo “Grã-Colômbia” deu-se para distingui-la da atual República da Colômbia e existiu legalmente entre 1821 e 1831 e a sua extensão territorial sido tão vasta que correspondia aos atuais territórios da Colômbia, Equador, Panamá e venezuela, incluindo a Guiana Essequiba, além de outros territórios que se tornariam parte do Brasil, Peru e Nicarágua, a partir de acordos entre os paises qeu surgiram com a dissolução da Grã-Colômbia.
Esse país foi dissolvido no final dos anos 1820 e início de 1830, como consequência de divergências políticas entre os partidários do “federalismo” e “centralismo”, além das tesões regionaiis entre os seus próprios fundadores.
Simón Bolívar, ao contrário do que os movimentos políticos de direita apregoam, não era, criteriosamente, um libertador, ou, muito menos, um “comunista”.
O termo “bolivarianismo” vem sendo muito utilizado para aludir-se às políticas de esquerda ou socialistas, por absoluta desinformação. Essa expressão ganhou maior atenção com a política adotada pelo ex-presidente da Venezuela, Hugo Chavez (1954-2013) e passou a ser, no Brasil, uma espécie de anátema ou uma palavra amaldiçoada por supostamente remeter à “ideias perigoras de comunistas da América Latina”.
O que os conservadores nunca perceberam é que quando Hugo Chaves recorria à mistificação ou à criação do heroísmo regional de Simón Bolívar como sendo a representação do nacionalismo e da liberdade, está, tão-somente, valendo-se de um estratagema para se manter no poder, porém, sem nenhuma correlação com políticas sociais. Simón Bolívar fez a mesma coisa.
O discurso de “revolucionário” e “libertador” foi apenas para expandir a sua influência e suas ações para um número maior de países que ele pretendia unificar em um império latino-americano desde que ele, claro, viesse a ser o imperador.
Simón Bolívar nutria verdadeiro fascínio por regimes imperiais e monárquicos. Em 1808, viajou à Europa apenas para assistir à posse de Napoleão Bonaparte como o autoproclamado imperador da França. Bonaparte não apenas despertava em Bolívar extrema admiração, mas, mais que isso, servia-lhe de inspiração para suas pretensões megalomaníacas na América Latina.
O sonho de Bolívar era, portanto, obter de Bonaparte apoio contra a Espanha para a sua escalada imperialista na América Latina. Esse sonho, todavia, fora frustrado quando Bonaparte deu início às suas ambições de transformar a França na maior potência mundial, o que incluía controlar toda a Europa Ocidental.
Ao invadir a Espanha, em 1808, Napoleão nomeou o seu irmão, José Bonaparte, como rei espanhol orientando-o a fortalecer a sua presença sobre as colônias sul-americanas e centrais, o que decepcionou muito a Simón Bolívar. Em razão disso, em Roma, no Monte Sacro, Bolívar fez o seu célebre juramento de libertar a América do Sul e, em 1810, deu início à revolução contra o domínio espanhol na Venezuela, culminando com uma declaração formal de independência no ano de 1811. Porém, no ano seguinte, tropas espanholas retomaram o poder. Bolívar deixa o país e comanda diversas batalhas por diversas regiões e, finalmente, em 1821, libertou a Venezuela na Batalha de Carbobo.
Repita-se: Simón Bolívar alegava que o seu objetivo seria o de libertar a América Latina do jugo espanhol. Entretanto, restava claro que as suas pretensões eram a de estabelecer um vasto império, tanto que ao final das guerras pela “independência” já constavam sob a sua presidência a Venezuela, Colômbia e Equador, constituindo a denominada República da Grande Colômbia.
Simón Bolívar não conseguiu estabelecer e manter uma confederação de países sul-americanos e, em 1830, Venezuela e Equador deixaram a união. Percebendo que as suas ambições políticas não prosperariam, exilou-se na Colômbia, onde veio a falecer de tuberculose e pobre, em 17 de dezembro de 1830.
As coincidências entre Hugo Chavez e Simón Bolívar não se limitaram ao plano das retóricas políticas. Outros episódios os identificam.
Assim como Bolívar ganhou muitos inimigos, tendo sido obrigado a se exilar por diversas vezes, Hugo Chavez sofreu uma tentativa de golpe militar, derrubando-o do poder e sendo mantido preso, só vindo a ser libertado e retornado ao poder graças às pressões políticas e sociais internacionais, principalmente em razão da atuação direta do governo brasileiro, na época, o presidente Lula.
Outra característica comum entre Chavez e Bolívar é o fato de ambos terem sido oficiais militares e as suas maiores forças inimigas originavam de dentro dessas instituições.
Finalmente, as mortes de Chavez e Bolívar, embora oficialmente tenham sido por enfermidades, teorias conspiratórias indicam que ambos tenham sido vítimas de envenenamento.
Em 15 de julho de 2010, por ordem do 19° Tribunal de Controle de Caracas, os restos mortais de Bolívar foram exumados para esclarecer a causa de sua morte, uma vez que havia a possibilidade de assassinato. A versão oficial, até então, era de que Bolívar morrera em decorrência de uma tubercoluse. Para o presidente Hugo Chavez, Bolívar teria sido vítima de uma conspiração e envenenado por um general colombiano.
Em 25 de julho, o vice-presidente da Venezuela, Elias Jaua, informou que a análise dos restos mortais de Simón Bolívar não fora conclusiva, permanecendo aberta a possibilidade de envenenamento – intencional ou não – por arsênico ou cantaridina. O presidente Chávez, no entanto, afirmou que continuava a acreditar na hipótese de assassinato.
Em 2012, numa cerimônia no Palácio de Miraflores, foi apresentada uma reconstituição digital do rosto de Bolívar, resultado de dois anos de pesquisas com os restos mortais do “libertador”.
No último dia 5 completam-se cinco anos da morte do ex-presidente da Venezuela, Hugo Chavez.
Oficialmente vítima de um câncer, Chavez sempre repetia, ao tomar conhecimento do diagnóstico, ter sido vítima de envenenamento por parte do serviço secreto dos Estados Unidos. Especulou-se, após a sua morte, que a causa teria sido envenenamento pelo elemento químico polônio-210, a mesma substância encontrada no corpo do ex-lider palestino Yasser Arafat, morto em 2004 e a mesma que matou um ex-espião dissidente russo, no ano de 2006, em Londres.
Para aqueles que têm fascínio por teorias conspiratórias, vale lembrar que, na América Latina, todas as lideranças políticas de esquerda, por coincidência ou não, foram diagnosticadas com câncer, como o que ocorreu no Brasil, Argentina, Venezuela, Equador – algumas delas não resistiram e morreram.
Talvez, apenas talvez, a morte por envenenamento seja uma das características daquilo que se conhece por bolivarismo.
(Manoel L. Bezerra Rocha, advogado criminalista – mlbezerraro[email protected])