Opinião: Genocídio de jovens brasileiros
Diário da Manhã
Publicado em 17 de dezembro de 2017 às 02:27 | Atualizado há 7 anosA agenda que a vida parlamentar me impõe é muito pesada: acompanhar atentamente os temas e os projetos relevantes, as audiências públicas nas Comissões do Senado, e relatar projetos naquelas em que sou membro nata; pronunciar-me na tribuna do plenário sobre temas relevantes para Goiás e para o Brasil; tomar posições nas votações; estar atenta às necessidades e aos reclamos dos municípios de Goiás; atender a convites de entidades, as mais variadas, para conferências e manifestações; acompanhar as redes sociais e o que a mídia goiana e nacional divulgam, com as respectivas repercussões. Essa agenda não me exime de estar atenta a assuntos de grande interesse nacional, como o que vou comentar hoje aqui.
Vou comentar dados assustadores, quase macabros, divulgados na última semana pela Unesco, envolvendo o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência no Brasil. E mais: não podemos deixar de analisar as dimensões social e racial da violência contra a juventude em nosso país. E, mais ainda, a dimensão de gênero nessa violência.
Permito-me destacar para os nossos leitores dois conceitos que permearão este artigo: o primeiro é vulnerabilidade social, que é “o conceito que caracteriza a condição dos grupos de indivíduos que estão à margem da sociedade, ou seja, pessoas ou famílias que estão em processo de exclusão social, principalmente por fatores socioeconômicos”; o segundo é genocídio, que geralmente é definido “como o assassinato deliberado de pessoas motivado por diferenças étnicas, nacionais, raciais, religiosas e, por vezes, sócio-políticas”.
No dia 11 de dezembro foi divulgado, em Brasília, pela Secretaria Nacional de Juventude da Presidência da República e a representação no Brasil da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), com apoio técnico do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o relatório do Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência 2017.
Diante da realidade criminal do Brasil em relação à juventude e, especialmente, em relação ao jovem e aos jovens negros, o Fórum Permanente pela Igualdade Racial (Fopir) protocolou, há um ano, uma denúncia contra o Estado brasileiro no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). A denúncia foi baseada no Relatório da CPI do Senado sobre o assunto, terminada em 2016, onde se lê, na página 145, “o Estado brasileiro, direta ou indiretamente, provoca o genocídio da população jovem negra”.
Diante dos dados publicados, a representante interina da Unesco no Brasil, Marlova Noleto, disse: “Mais uma vez os dados comprovam o genocídio dos jovens negros no Brasil”. Não é possível, neste espaço, dar todos os números publicados pelo relatório, mas o que se constata é que, “enquanto os homicídios na população branca diminuíram mais de 26% entre 2003 e 2014, o número de vítimas negras aumentou em 46,9%: a cada 100 mil habitantes, foram 10,6 mortes de pessoas brancas em 2014 contra 27,4 de pessoas negras”.
A especialista independente da ONU sobre minorias, Rita Izsák, destaca que os negros respondem por 75% da população carcerária e por 70,8% dos 16,2 milhões de brasileiros vivendo na extrema pobreza. É um dado que evidencia a vulnerabilidade da população negra do país.
Uma triste novidade nos Índices de Vulnerabilidade Juvenil à Violência 2017 é um olhar sobre a jovem negra. Pela primeira vez a questão de gênero foi medida. A jovem negra tem duas vezes mais chances de ser morta no Brasil do que a jovem branca, diz o relatório.
Entre os homens, o risco de um jovem negro ser assassinado é 2,7 vezes maior que de um jovem branco. Já as jovens negras, com idade entre 15 e 19 anos, têm 2,19 vezes mais chances de serem assassinadas no Brasil do que jovens brancas na mesma faixa etária. Mas, e Goiás, como se apresenta nesses índices?
Em Goiás, Luziânia lidera o ranking de municípios em que o jovem está mais vulnerável à violência. A cidade foi classificada no índice “Muito Alta Vulnerabilidade” e ocupa a 19ª posição no ranking nacional.
O Estado de Goiás é considerado de média vulnerabilidade, ficando em 18º lugar no ranking nacional, trazendo, ainda, além de Luziânia, os municípios de Trindade, Formosa, Novo Gama, Aparecida de Goiânia, Valparaíso, Águas Lindas de Goiás, Anápolis, Senador Canedo, Rio Verde, Itumbiara e Goiânia, com altos índices de criminalidade contra os jovens.
O secretário Nacional da Juventude, Francisco de Assis Costa Filho tem razão ao dizer que “a violência no Brasil tem cor, raça, geografia e faixa etária”. Ele completou dizendo da necessidade de “uma força-tarefa de toda a sociedade e dos governos federal, municipais e estaduais para tirar os jovens da vulnerabilidade, com ações afirmativas para a juventude, em especial para os jovens negros”.
Dentro dessa perspectiva, todos podem ajudar a pensar o assunto, em torno de quatro eixos: a) desconstrução da cultura da violência; b) inclusão, oportunidade e garantia de direitos; c) transformação de territórios em espaços com cidadania, e d) aperfeiçoamento institucional.
De fato, todos os dados que trouxe aqui evidenciam que a violência letal está acentuadamente direcionada à população negra, com um forte viés para a população feminina negra, com componentes de desigualdades socioeconômicas. Este entendimento deve dar base para as políticas públicas que venham a ser implantadas para a população negra.
Além do mais, são indispensáveis medidas estruturantes que envolvam as diversas dimensões da vida dos jovens, como educação, em primeiríssimo lugar, trabalho, família, saúde, renda, igualdade racial e oportunidades.
Tenho plena consciência, e não me canso de falar isso, que quanto mais desigualdade, menos educação para todos. Quanto menos educação, menos consciência, menor vigilância social, mais probabilidade de corrupção e menos perspectiva de crescimento. Por outro lado, é verdade que quanto mais educação, maior a capacidade de mobilização social e de participação. É uma bandeira que a sociedade como um todo deve levantar.
(Lúcia Vânia é senadora da República, presidente da Comissão de Educação do Senado e jornalista)