Opinião: Não há clima para golpe militar
Diário da Manhã
Publicado em 2 de abril de 2018 às 21:37 | Atualizado há 7 anos
Vejo com certa freqüência diferentes níveis de pessoas, bem intencionadas ou não, proclamando a necessidade de golpe militar. A recente intervenção militar no Rio de Janeiro gerou uma série de comentários especulativos. Na ótica desses comentaristas, seria o começo para culminar com os militares no poder. A imaginação é fértil e muita gente de bem pode cair nessa armadilha. Por vontade de corrigir atos lesivos ao País ou por mero saudosismo. Ou por ambas as hipóteses.
Na realidade, a intervenção militar no Rio foi um ato civil liderada pelo próprio presidente da República. O objetivo: conter a onda sem precedentes de crimes. O Rio de Janeiro com a marca do Cristo Redentor, o samba, o calor humano e as mulheres bonitas, já decantadas por Vinícius, atrai turistas de todas as partes do mundo. A economia pesa na balança para o comércio, a rede hoteleira, os bares, os vendedores de água de coco nas praias, entre outros setores. O Rio estava, como ainda está, perdendo turistas europeus, americanos e asiáticos endinheirados, para outros países, onde o risco é bem menor.
Aviso aos navegantes. Na verdade, não há clima para golpe militar no Brasil. A democracia está funcionando a todo vapor. Os três poderes atuam livres e independentes entre si, assim com a mídia. Esta, no entanto, extrapola em opiniões, mas não sofre em consequência sanções públicas ou veladas. As eleições transcorrem sem maiores atropelos e os candidatos praticamente dizem o que querem. O eleitor escolhe o candidato de sua preferência. A economia está sendo reativada. A inflação que ameaçava de galopar no governo anterior foi contida. Com isso, o poder de compra é preservado. Claro, há mais de 12 milhões de desempregados e outros tantos vivendo no subemprego, fazendo bicos. Mas, com o registro oficial de candidatos às próximas eleições, a confiança pode ser restabelecida pelos investidores.
O Brasil, afinal, dispõe de um potencial para crescer como poucos. Matéria prima sobra. Mercado existe. Com algumas reformas de base, entre elas da Previdência que possivelmente serão incrementadas pelo próximo governo, o País dará novos saltos na economia e em consequência na parte social. Esta, com certeza, demonstra carência em várias direções. Com ênfase na educação, na saúde, no saneamento básico, como esgotos e água, nos transportes coletivos.
Só para lembrar um pouco da História Contemporânea Brasileira. Mais da metade dos brasileiros (em 1964 éramos 72,21 milhões de habitantes, segundo o IBGE) não viveu o movimento que antecedeu o golpe militar de 1964. O mundo – e o Brasil não ficou de fora – vivia então sob a égide da guerra-fria. Isto é, Estados Unidos e União Soviética queriam impor seus regimes aos demais países. Os americanos, de tendência capitalista, e os soviéticos, de tendência comunista, estavam empenhados em assegurar ou ampliar o seu quinhão.
Na visão americana, se o Brasil desse uma guinada para o comunismo conduziria os demais países da América do Sul. Ora, o governo de João Goulart, de origem getulista e trabalhista, estava permitindo à crescente esquerdização brasileira. As paralisações eram gerais sob o patrocínio da CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) e a anarquia contaminava até os quartéis. No campo, as Ligas Camponesas, lideradas por Francisco Julião, provocavam intranqüilidade aos fazendeiros com ameaças de invasões de terras sob o pretexto de realizar a reforma agrária.
Mediante esse aparato, a Central de Inteligência Americana, mais conhecida pela sigla CIA, deu a sustentação estratégica para o governo dos Estados Unidos reagir contra as tendências consideradas de direita no Brasil e nos demais países latino-americanos. Aqui, a intervenção militar ocorreu em 31 de março de 1964. O general Castelo Branco constituiu-se no primeiro presidente, numa sucessão de generais, Costa e Silva, Garrastazu Médici, Ernesto Geisel, e, por último, João Figueiredo.
Cansado de ficar à margem das eleições, o público foi às ruas. Com o movimento das Diretas Já, lideradas por Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, entre outros líderes civilistas, o deputado federal Dante de Oliveira, do Mato Grosso, propôs uma emenda no Congresso Nacional, restabelecendo as eleições diretas em 1988. Com pequena margem de votos na votação de três anos antes.
Para um mandato tampão, Tancredo para presidente e José Sarney para vice foram eleitos. O político mineiro morreu às vésperas da posse decorrente de cirurgia de diverticulite, no Hospital de Base, em Brasília. Sarney ocupou a Presidência. É interessante lembrar que os comícios pelo restabelecimento das eleições diretas, os comícios reuniam milhões de brasileiros nas praças. Em São Paulo, houve mais de um milhão na Praça da Sé.
Goiânia também atraiu as lideranças do cenário nacional pró-diretas. E apresentou ao País Mauro Borges, Henrique Santillo e Iris Rezende Machado, o jovem prefeito de Goiânia. Mauro Borges, apesar de ex-aluno de Castelo Branco na Academia Militar das Agulhas Negras, teve o seu mandato de governador de Goiás cassado. Iris Rezende sofrera cassação como prefeito desta Capital. Sob o pretexto de corrupção e subversão, o regime militar cassava mandatos e direitos políticos por dez anos.
O regime militar perdurou por 21 anos. Nesse período, grandes obras marcaram os respectivos governos. Entre elas, a Ponte Rio – Niterói, uma promessa antiga que não saía do papel. A ponte que leva o nome do general Costa e Silva foi um desafio para a engenharia nacional: tem o maior vão em viga reta construído pelo homem e é a 13ª do mundo em extensão.
As hidrelétricas de Itaipu, no Paraná, e Tucuruí, no Tocantins, respondem por quase um quarto de geração de energia do Brasil. Itaipu é a maior geradora do mundo e abastece 50 milhões de residências. Outra obra marcante: a Rodovia Transamazônica tem 4.223 quilômetros e foi feita para levar quatro milhões de nordestinos que sofriam com o flagelo da seca e ocupar áreas pouco povoadas do Norte/Nordeste.
São relacionadas, também, nesse contexto, as usinas nucleares de Angra dos Reis, a criação dos pólos petroquímicos, o Pró-Álcool, que deu origem ao aproveitamento do etanol; Ferrovia do Aço, a Embratel e o projeto de minério de ferro de Carajás e da celulose de Jari. Foi nesse período que o Brasil aperfeiçoou o modelo de desenvolvimento de Juscelino Kubitschek.
No plano democrático, a censura se fazia marcante em toda a sociedade. Para controlar a opinião pública, o regime militar contava com o Serviço Nacional de Informações (SNI) e o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). A imprensa vivia sob controle e páginas e páginas dos jornais, como o Estadão, Folha de São Paulo, O Globo, Jornal do Brasil, eram censuradas e, numa certa represália, as páginas eram em branco. Havia, ainda, tortura e presos políticos morriam nos cárceres. Em países como Argentina e Chile as mortes foram multiplicadas em comparação com o Brasil. Claro, nada justifica.
Procurei oferecer um cenário desapaixonado do que foi o regime militar no poder brasileiro. Entendo e repito: a democracia pode ter os seus defeitos, mas a liberdade é vital ao homem.
(Wandell Seixas é jornalista voltado para o agro, bacharel em Direito e Economia pela PUC-Goiás, ex-bolsista em cooperativismo agropecuário pela Histradut, em Tel Aviv, Israel, e autor do livro O Agronegócio passa pelo Centro-Oeste)