Opinião: O fim da humanidade como a conhecemos
Redação DM
Publicado em 27 de março de 2018 às 23:06 | Atualizado há 7 anos
Notícias dão conta de que existem empresas faturando alto com a produção em séria de bonecos e bonecas para fins sexuais. Há um grande investimento em tecnologia para que esses objetos se aproximem ao máximo da capacidade humana, podendo o comprador escolher modelos personalizados como a cor do cabelo, a cor dos olhos, a altura, o tamanho do pênis, etc. As mulheres são as principais compradoras.
À primeira vista, pode parecer tratar-se de algo novo em relação à dificuldade que o ser humano encontra em relacionar-se com outras pessoas e, por isso, prefere recorrer a objetos artificiais. Não o é, todavia. Em verdade, a única novidade é o avanço tecnológico que, com o recurso da inteligência artificial, possibilita a esses bonecos-robôs, programados, desempenhar diversas funções como fazer massagem, ter ereção, desenvolver diálogos, etc. Mas ficam nisso as novidades.
A procura por alguma coisa que possa auxiliar na obtenção do prazer sexual precede a essas novidades. Proliferam, cada vez mais, as casas especializadas em venda de objetos eróticos, os denominados “sex shop”, que contam com um número cada vez mais diversificado dos chamados “brinquedinhos”, a grande maioria destinada à satisfação sexual solitária.
Recorrer a diferentes formas de satisfação da libido não é algo novo, nem, tampouco, a causa da falência das relações humanas afetivas. É o oposto. A utilização de meios artificiais para a obtenção orgásmica é a consequência da fragilidade e, com grande frequência, da insuportabilidade de convivência interpessoal. Nessa pós-modernidade, o capitalismo apropriou-se dos corpos e, com isso, o ser humano torna-se um mero objeto de consumo descartável. Quando o outro deixa de ser economicamente útil é imediatamente descartado.
A humanidade padece de uma profunda solidão. E isso não decorre, simplesmente, da ausência de outra pessoa. Existem muitos relacionamentos onde os casais padecem de intensa solidão, por incompatibilidade cultural, ausência de afinidade sexual, barreiras de comunicação, repressão da sexualidade enrustida (alguns homo ou bissexuais se casam por medo de assumir o que são ou por conveniência financeira), etc.
Ao que chamamos de “era digital” ou de “sociedade da comunicação” é, em verdade, a era do distanciamento humano e da crise de comunicação. As pessoas não dialogam mais e as causas são variadas como a deficiência cultural, alienação, intolerância a opiniões divergentes, ódio étnico, social, vício a redes sociais, etc. A humanidade não está apenas retrocedendo civilizatoriamente; ela está, cada vez mais, perdendo a capacidade de falar, de dialogar, de interagir. Dialogar é saber falar e ouvir, condição básica para o sustento de qualquer relação humana.
É muito comum observar-se nos bares, restaurantes, clubes, casais que sentam-se à mesa e permanecem por longos períodos sem trocar uma única palavra. O silêncio que os domina é o reflexo de uma vida conjugal monótona, de perda de afeto, da ternura, do desejo de um pelo outro. A iniciativa de saírem de casa, frequentar outros ambientes é uma injunção do espaço entediante que domina a atmosfera doméstica. Porém, tanto faz que o ambiente seja outro. O problema não é com o lugar, mas com eles mesmos. A relação subsiste apenas para cumprir um ritual social, ainda que absolutamente desprovido de sentimento, de paixão, de desejo, de encanto.
As relações não são mais feitas para durar. Tudo é fugaz, tudo é efêmero. E o desejo de satisfação imediata e descartável não cede espaço para devaneios românticos. Tudo se transforma em uma relação de consumo e o “mercado” tem pressa em descartar o objeto que se tornou indesejável após o seu uso.
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, na obra “Amores Líquidos”, aborda a fragilidade dos lações humanos, nesse contexto que ele chama de “modernidade líquida”. Nas relações humanas, há uma insegurança estimulada por desejos conflitantes quando se pretende estreitar os laços afetivos, mas, ao mesmo tempo, mantê-los frouxos. Isso ocorre tanto nos relacionamentos pessoais e familiares quanto no convívio social com estranhos.
Para Bauman, as relações humanas ocorrem por impulso, atendendo às exigências do poder supremo do mercado de consumo. Seguir um desejo é como caminhar constrangido, de modo desastrado e desconfortável, na direção do compromisso amoroso. Segundo ele, no passado, o que chama de versão ortodoxa, o desejo precisava ser cultivado, preparado e isso exigia cuidados demorados, barganhar, oferecer concessões amorosas. E é exatamente esse sacrifício que é detestado em nosso mundo de velocidade e aceleração.
O filósofo Schopenhauer foi mais radical ao afirmar que se a paixão se fundamenta na ilusão de uma felicidade pessoal deve desaparecer uma vez pago o tributo à espécie. O indivíduo, ao ser restituído à liberdade, ao seu anterior estado de vulgaridade, perceberá que tão insana fora a sua dedicação, não lhe restando outra coisa senão a satisfação dos sentidos. Anda segundo Schopenhauer, os matrimônios de amor geralmente são infelizes, porque neles se procurou o proveito de geração futura em detrimento de geração presente. Ainda que se lhe impute anacrônicas as ideias de Schopenhauer, o desejo sexual, em sua reencarnação moderna, atual, compactado, perdeu a maior parte de seus atributos protelatórios. Não se casa mais para fazer sexo. Faz-se sexo e, se e enquanto estiver sendo bom, permanece, depois, descarta-se. Nessa lógica do consumo do tipo “fast-food” o desejo por impulso ou por instinto assume o protagonismo frente ao amor romântico, tão patético quanto desnecessário ou inútil frente às regras de mercado.
É justamente desse libertar-se do fardo penoso do romantismo, este que passa a ser nada mais que um mero expediente protelatório, que desponta e cresce a passos largos o mercado da produção em série de robôs com inteligência artificial. O ser humano, por ser muito complexo e sentimentalista em demasia, que costuma agir por paixão, tornou-se insuportável diante da velocidade exigida pelo mercado de consumo. Por essa razão, não é interessante ocupar-se com delongas inúteis, como o amor romântico, contrário à lógica do mercado. Se o capitalismo se apropriou do corpo dos indivíduos, há que exercer sobre ele absoluto controle. E isso envolve controlar e direcionar os seus impulsos, desejos, sempre tendo em conta os interesses do mercado de consumo.
Nos últimos tempos, verifica-se maior engajamento de ecologistas na preservação da natureza e na luta contra a extinção de algumas espécies animais e vegetais. Na última semana, o mundo se condoeu ao saber da morte do último rinoceronte macho que ainda existia no mundo. A extinção dos rinocerontes deu-se graças à crença de que o seu chifre possui propriedades afrodisíacas. A partir disso, portadores de disfunção erétil do mundo inteiro passaram a financiar o abate da espécie para a retirada do chifre, resultando em sua absoluta extinção.
Previsões pessimistas acerca da humanidade indicam que, ao contrário do que se imagina, em poucos séculos a raça humana estará extinta da Terra. As sociedades, quanto mais evoluem financeiramente, mais exercem controle sobre a natalidade, através do uso de preservativos ou de medicamentos anticonceptivos. Em muitos países da Europa, Ásia, nos EUA, Canadá, Austrália, há uma preocupante escassez de população jovem e produtiva, o que exige afrouxar as regras para a imigração como forma de compensar a carência de força de trabalho. Já são muitos os países ricos que oferecem atrativas compensações financeiras para quem deseja ter filhos. Onde ainda se geram muitos filhos é nos países pobres, mas isso não significa a preservação ou continuidade da raça humana, pois, a escassez ou a absoluta falta de alimentos levará esses povos à morte prematura.
Os sexualmente impotentes dizimaram os rinocerontes. Não será surpresa se uma nova geração de brochas extinguirem a espécie humana. As relações descartáveis, a insuportabilidade de convivência intersubjetivas e a produção em série de objetos tecnológicos com inteligência artificial para a satisfação dos impulsos sexuais, indicam que a humanidade caminha para o seu extermínio.
Numa previsão mais “otimista”, o ser humano será produzido em laboratório e pertencerá ao mundo corporativo, onde as relações pessoais passarão a ser meramente comerciais, ficando a satisfação do desejo sexual a cargo de objetos mecânicos artificiais que poderão ser substituídos tão logo surja um novo modelo o mercado, como o que ocorre atualmente com os aparelhos de telefone celular.
Talvez isso não seja tão impactante. Já é possível perceber, na sociedade atual, que as relações humanas afetivas já se encontram amplamente superficiais, entediantes, insuportáveis, descartáveis.
Post Scriptum: Páscoa é renascimento, reinvenção, ressureição. Feliz Páscoa a todos!
(Manoel L. Bezerra Rocha, advogado criminalista – mlbezerraro[email protected])