Os 82 anos de José Mendonça Teles, o Rei Midas
Diário da Manhã
Publicado em 23 de março de 2018 às 23:04 | Atualizado há 7 anos
Neste domingo, 25, José Mendonça Teles fará 82 anos de uma laboriosa e produtiva vida, sendo ele um dos principais baluartes da cultura goiana. Eu o chamo de Rei Midas, pois que em tudo em que ponha as mãos, com o cérebro pensante, vira ouro. Presidenciou a Academia Goiana de Letras por 10 anos e o Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, por 13. Nasceu em Hidrolândia em 25 de março de 1936. É autor de três dezenas de livros, todos de amor e homenagem à terra que o recebeu. O Atlético Clube Goianiense deve muito a ele com as suas crônicas, muitas ao seu clube de coração e alma, inclusive o seu Hino. E por a nossa amizade estar sempre em relevo, pediu-me que prefaciasse o seu livro “Crônicas da Campininha”, o que fiz com muito prazer, embora, parece, que me divaguei muito.
O cronista-mor da Campininha
Primeiro fui amigo do Gilberto, desde o tempo em que ele trabalhava com o Jerônimo Barbosa, o famoso dentista-caçador de Campinas. Gilberto era encarregado do gabinete e trocador de algodão dos dentes dos clientes, pois, naquele tempo o paciente ia ao dentista por quase um ano somente trocando o algodão com medicamento, comumente, o Guaiacol. Já a minha amizade com o Zé Mendonça, seu irmão, surgiu depois. Ele andava molecando, sapeando os treinos do Atlético, figurando no juvenil, engraxando sapatos, enchendo caixas d’água, carregando malas dos viajantes que chegavam nas jardineiras, quando o ponto (Rodoviária) era na Praça Joaquim Lúcio. As vaquetas dos meus sapatos eram engraxadas por ele e sem cobrar, que o Mendonça era fã dos jogadores do Atlético.
Nego Teles, seu pai, foi o primeiro gambireiro de automóveis da Nova Capital. Veio de muitos lugares: Hidrolândia, Bela Vista, São João (Brazabrantes), Inhumas, mas chegando em Campinas, jamais arredou pé.
O Mendonça é saudosista, conserva amizades, é um grande memorialista, dono de uma vasta coleção de livros publicados sobre Campinas (nem sei como se mudou para Goiânia). E a esta coleção, junta, agora, o seu mais amoroso livro à terra: Crônicas da Campininha.
Eu também virei cronista da Campininha do Zé Mendonça, mas escrevo coisas anteriores a ele, pois cheguei aqui primeiro, em 1938. Sou do tempo que quando se ouvia o barulho de um carro a gente sabia de quem era. Sou do tempo do Caetano Barrilari, dono das “14 portas” e decorador da Avenida 24 de Outubro nos desfiles do Aniversário da cidade e no Carnaval. Sou do tempo, também, do seu Ozório de Oliveira, pai do Hélio fotógrafo, com loja de materiais de construção – Progresso Goiano, na 24 de Outubro. A benemérita Maria branca, com a sua ”pensão de mulheres”, o famoso Bordel da Maria Branca, na Avenida Amazonas, já colaborou com Dona Gercina, cedendo a sua orquestra e até matérias de copa para uma festa de fim de ano no Palácio das Esmeraldas. Acolhia as moças “desencaminhadas” do interior, dando-lhes banhos-de-loja, preparando-as para receberem as principais autoridades da Nova Capital. Também proporcionava escolaridade para quem precisasse. Ainda sobre pensão ou “casas de mulheres”, havia outras não menos famosas, como a casa da Ana Bagunça, mãe do goleiro atleticano, Altamiro (Altamirofe, Colegofe, como gostava de ser chamado); a casa da Flora, na Avenida Bahia… e vamos parar por aqui com esse assunto.
A famosa família De Roure, dos melhores mecânicos e eficientes professoras. Do campeão de corridas nas comemorações de 24 de Outubro, o Sargento Marmelada (Manoel Lázaro, jogador do Atlético. Do Tamborete, crack em dar chaleiras.
Do Chirico e do Saulo, os demônios para os meninos pioneiros, dois maludões que espancavam os meninos chegados de fora. Eu, como jogava futebol, estava livres da perseguição. As serenatas eram proibidas para nãos estorvar o sono das famílias recolhidas. A gente saía assim mesmo e assim que aparecia o encarregado da vigilância, sempre o soldado Tião Preto, violonista, passávamos o violão para ele fazer o acompanhamento e tudo bem, caminho aberto para Josaphat Nascimento e Walter Affonso do Prado soltarem as suas vozes maviosas para as idolatradas sonhadoras, mocinhas da Campininha.
A Capital estava sendo construída e tudo dependia de Campinas, que desde 1894, com a chegada dos padres alemães redentoristas, Campinas já era um arremedo de cidade, uma progressiva corruptela. Bairro cosmopolita, gente diferente chegando de todos os cantos do País, entusiasmada, ajudando o Dr. Pedro a construir a Nova Capital. Mas muitos, sem estigma de pioneirismo, voltaram. O meu avô, Fioravante Bariani, com os filhos e genros, montaram a primeira indústria urbana, a Serraria Bariani, de desdobrar madeira, na Avenida Paraíba com a Rua Catalão. O apito do vapor-locomóvel dava o horário para o comércio de Campinas e de Goiânia abrirem e fecharem as portas.
Seu Anselmo, pai da Goianita e do Goiasy Secundino de Castro, irmão do pai da Élia, minha aluna muito inteligente, com o seu carroção de quatro burros, a pinhóla ao ombro ou estalando, pondo os animais em marcha, carregando cascalho e saibro das atuais vilas Izaura e Santa Helena, para as primeiras obras da cidade que surgia. Outro carroceiro que também muito colaborou com a construção de Goiânia foi o seu Romualdo, da Avenida Paraná, pai da Dalvinha, moça bonita que tocava bandolim nas noites enluaradas e nós, a rapaziadinha, embasbacada, ficava de roda. Às terças-feiras saíamos em disparadas para onde hoje é o setor Aeroporto, ver a aterrissagem do DC-3 da VASP, chamado Fordinho 29 do ar (nunca caiu); também o aeroplano vermelhinho do Correio Aéreo Nacional, talvez até pilotado pelo Lysias Rodrigues, pioneiro do Correio Aéreo.
O professor Venerando de Freitas Borges, primeiro prefeito, sempre alinhado, muito bem-vestido, apitando as partidas de futebol mais importantes. Parateca, fotógrafo, técnico do juvenil do Atlético e, depois, pelas graças de Dona Gercina, se tornou Prefeito de Goiânia.
Nos primeiros anos do Lyceu, com a frequência quase que exclusiva de alunos de Campinas, o professor Alcides Ramos Jubé, em passos largos pela sala, lendo em voz alta a geografia de Raja Gabaglia, fechava o livro e ia embora. Também o professor do Lyceu, João Setubal, irmão do escritor Paulo Setubal (O ouro de Cuiabá), gostava de um joguinho de cartas, tinha uma escola particular em Campinas, na Avenida Bahia e só cobrava de quem pudesse pagar. Mantinha no canto da sala um pote d’água, mas em vez de água ele mandava encher de leite. Cada minuto tinha um aluno com o braço levantado pedindo para ir tomar “água”. Era também, como o Venerando, impecavelmente trajado, terno branco 120, barba bem escanhoada e sapatos pretos de verniz, contrastando com o poeirão constante e redemoinhos que subiam levando roupas dos varais, sujando tudo. Numa aula, a “endiabrada” Bebé (Neumar Sarti) perguntou por que ele, velho, andava tão bem vestido. Respondeu que “vocês jovens, andam bem vestidos para agradar e nós, velhos, para não desagradar”.
Bem, mas o assunto aqui é o ótimo livro “Crônicas da Campininha”, do colega de crônicas de O Popular, José Mendonça Teles. São Mais de 100 páginas de saudade, que irão mexer com o coração dos verdadeiros pioneiros da Campininha das Flores da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição. Macktub!
(Bariani Ortencio, escritor, [email protected])