Os desafios da social democracia no Brasil
Diário da Manhã
Publicado em 20 de março de 2018 às 01:13 | Atualizado há 7 anos
Nossas dificuldades conjunturais se acumulam por sobre um remoto atraso estrutural, fazendo com que o país permaneça imobilizado e com poucas alternativas de solução. A implementação nada discreta de uma política novo-desenvolvimentista efetivada na última década impactou negativamente as contas públicas, gerando uma grave anormalidade macroeconômica, com elevação robusta da taxa de inflação, colapso do consumo, queda na produção e, subsequentemente, aumento vertiginoso da taxa de desemprego. Isto veio se somar à insuficiência da infraestrutura, à infeliz realidade educacional, ao minguado nível de empreendedorismo e inovação, à baixa qualidade do atendimento público nas áreas de saúde e segurança pública etc.
A crise gerada é sem dúvida uma decorrência de escolhas equivocadas em vários âmbitos da política. O escancarar da corrupção foi somente sua face moralmente mais escandalosa, expondo autoridades e empresários que até muito pouco tempo gozavam de uma boa reputação. A economia e a sociedade, entretanto, foram as dimensões mais prejudicadas por esta conjuntura perversa, produzida no núcleo do governo federal enquanto imperaram as incongruentes decisões ideológicas dos seus gestores. No longo prazo os pobres e a classe média, especialmente, pagarão o preço pela aventura pródiga a qual foi lançada a nação, algo que, infelizmente, tem potencializando um posicionamento político radical por parte de muitos desses cidadãos. Não é por acaso que atualmente algumas candidaturas extravagantes têm sido levadas a sério.
A política novo-desenvolvimentista trouxe de volta o decrépito estatismo, mas de um tipo disfarçado, instituindo um novo dirigismo econômico com restrição ao capital estrangeiro via “nova política industrial”. Esta, não obstante, buscou a formação de novos monopólios, com incrementos patrimonialistas, encetando vinculações ilícitas entre o público e o privado, concentrando ainda mais a renda no médio prazo e lesando o interesse coletivo. Ora, face ao processo complexo da globalização econômica, a pretensão excessivamente nacionalista do governo, que seus técnicos chamavam de “estratégia”, foi um golpe nefando contra o próprio país. Do lado da demanda a política foi ainda mais infausta ao instituir um fenômeno de super-endividamento, via crédito subsidiado, comprometendo a economia popular por um tempo indefinido.
Enquanto de um lado aquelas políticas inconsequentes estorvaram o fortalecimento institucional do Estado em sua função de definir regras que, ao preservar a livre iniciativa, impediriam de certa forma a tentação monopolista, de outro o intervencionismo num grau tão elevado como o que assistimos, no âmbito das decisões dos indivíduos, induziu parte expressiva da sociedade a entender erroneamente o papel do Estado. Como advertiu Émile Durkheim, em suas Lições de Sociologia, “o Estado está tão longe dos interesses particulares que não pode levar em conta as condições especiais, locais etc., em que elas se encontram”. De fato, governos populistas, quando se empenham bastante, são verdadeiros elaboradores de cartéis e, para o povo, os maiores apóstolos do paternalismo.
Os princípios da Social Democracia moderna, implementados efetivamente no Brasil desde a década de 1990, se apresentam atualmente como a única opção factível e prudente para a reversão do quadro de insustentabilidade e desequilíbrio político e econômico que progride de modo pernicioso no país. Não existem panaceia e salvadores da pátria possíveis para este caso, somente princípios competentemente colocados à frente de ações políticas inequívocas poderão nortear a gestão de dentro para fora do nevoeiro. Os desafios descritos aqui partem de consequências e ameaças de difícil superação, requerendo um trabalho de retorno à funcionalidade do Estado, de desenvolvimento dos incentivos liberais, de recolocação do Brasil no xadrez internacional, enfim, de regresso aos trilhos que abandonamos há quinze anos.
(Everaldo Leite, economista e coordenador de Formação e Aperfeiçoamento do Instituto Teotônio Vilela)