Opinião

Os penduricalhos

Redação DM

Publicado em 7 de fevereiro de 2017 às 01:13 | Atualizado há 8 anos

Ao ser empossado na presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, no dia 1º deste mês,  o desembargador Gilberto Marques Filho abordou de maneira clara e objetiva um tema da maior importância. Refiro-me aos  “auxílios”  que vem sendo concedidos a magistrados e aos membros do Ministério Público, destinados a cobrir despesas com moradia, creche, livros, alimentação, entre outras. Gilberto botou o dedo na ferida, dizendo: “Arrumaram os penduricalhos e eu, particularmente, acho que isso tem tido prejuízo para o próprio magistrado porque, no momento em que ele aposenta, isso não é incorporado” (O POPULAR de 02/02/2017, pag 16).

Todos sabem que o brasileiro paga os mais elevados tributos do mundo. Temos altos índices de desigualdade social e por isso se fazem necessários urgentes esforços para a correção de clamorosas distorções. O Congresso Nacional, que produz as leis, faz vistas grossas porque desta forma acredita preservar melhor os próprios privilégios auto-concedidos por seus integrantes. Entre tais privilégios,  destaco os dois seguintes: a) Verba Indenizatória. O que vem a ser? É uma verba instituída por Aécio Neves (PSDB)  para cumprir seu compromisso de campanha à presidência da Câmara dos Deputados. Com esse recurso, os parlamentares passaram a pagar, por exemplo, o frete de um avião para deslocar-se a determinada cidade a fim de assistir ao casamento de um cabo eleitoral. Ou despesas de lazer, como as de uma pescaria. Item b) Cota Pessoal. Trata-se de recurso orçamentário que o parlamentar, ao seu bel prazer, destina por exemplo a um determinado município, para determinada obra.  Muitos combinam com os prefeitos e estes com a construtura e daí se extraem propinas para a futura campanha do nobre parlamentar.  Isso talvez explique o que ocorreu em Goiás em pleito recente:  todos os deputados federais goianos que disputaram a reeleição foram reeleitos. Então, algo aparentemente normal, que seria o deputado levar uma obra necessária à comunidade, acaba transformando-se em instrumento de distorção de uma eleição e da própria Democracia.  São práticas que precisam ser eliminadas. Deputado que quiser se reeleger, que proponha leis justas e necessárias. Construir obras é papel do Executivo.

Parece existir um pacto visando à preservação dessas vantagens, inexistentes em países civilizados. Há judiciários, como o do Paraná, cujos juizes recebem mais de 100 mil reais mensalmente.  Um jornal daquele Estado denunciou, mostrando que o teto previsto em lei são os vencimentos de ministros do STF, e os jornalistas autores da denúncia foram processados por magistrados das mais diversas comarcas. Tudo combinado, de forma a dificultar o comparecimento do “réu”, intimado para depor num mesmo dia em comarcas distantes umas das outras.  No Congresso, silêncio sobre o assunto. Privilégios? E os nossos? E quando uns poucos levantaram timidamente o tema, as associações classistas falaram de “retaliação”. Mas nenhuma dessas associações tomou a iniciativa de propor o que agora sugere o desembargador-presidente do TJ-GO.

Diante desse quadro,  com setores esclarecidos da população perplexos,  vejo a fala do desembargador Gilberto Marques Filho como um alento.  Gilberto foi meu colega de faculdade (Turma de 1974 da UFG). Somos amigos desde aqueles tempos, próximos de completar meio século. Tem uma qualidade rara:  foi sempre o mesmo, no trato com as pessoas. Sim, isso é importante, porque muitos, na medida em que vão subindo degraus numa carreira, mudam muito. Até a tonalidade da voz.

Então, “colega” Gilberto (trato-o aqui com a intimidade que ele nunca deixou de me tratar), parabenizo-o pela posição alcançada. Sei que a recusou em ocasiões anteriores. Mas agora chegou sua vez.  Que o combate aos penduricalhos seja meta de seu mandato. Sem alarde, mas com firmeza. Seu grito, espero, chegará a todos os que podem fazer algo por um Brasil mais decente e justo.

 

(Valterli Guedes, jornalista e advogado)

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