Os vários caminhos para sair da crise
Redação DM
Publicado em 12 de agosto de 2015 às 22:38 | Atualizado há 10 anosAntes de mais nada é importante esclarecer que não existe uma solução puramente econômica para se sair da atual crise. Essa é uma visão tecnocrática e economicista. Qualquer alternativa, seja elas de conteúdo de esquerda ou de direita, necessariamente tem que se viabilizar politicamente. Nada mais pedagógico do que a tentativa que o governo faz para aprovar o atual ajuste fiscal no Congresso. Até agora, encontra inúmeras dificuldades em conseguir apoio político para sua aprovação. E aqui tudo leva a crer que o enrosco do governo não diz nem respeito ao conteúdo em si da sua proposta de ajuste, mas, a sua incapacidade de se viabilizar politicamente. O que é pior, pois revela a sua total incapacidade de governar. O fato mais emblemático é o do dia seguinte da reunião da Dilma com os governadores. Diante de todo o estardalhaço palaciano de que tinham fechado um acordo em comum para não deixar passar as pautas bomba, no dia seguinte a Câmara aprova, com o apoio da esmagadora maioria dos votos petistas o aumento dos salários do judiciário. Fica claro, portanto, o bloqueio político das propostas econômicas que podem tirar o pais da crise, independentes de seu matiz político ideológico. O que a inviabiliza é a falta de apoio político do governo.
Contudo, tão grave quanto isso é o atual debate que se trava no pais sobre a natureza da crise econômica, o que denota uma pobreza e indigência teórica que assusta qualquer um. Tudo parece crer que existe apenas um caminho, uma única receita e apenas uma só saída. Economistas de diferentes matizes ideológicos, com raríssimas exceções (pelo que me recorde apenas Belluzo), convergem para um mesmo receituário neo liberal. Quando Levy foi indicado para o ministério da Fazenda houve um aplauso quase unanime, inclusive por parte de lideranças da própria oposição. Somente agora, depois de se acentuar a crise e a implementação do ajuste passar a impactar no agravamento da recessão e do desemprego é que algumas lideranças de oposição começam a vociferar diatribes contra o ajuste do Levy. Mesmo assim, com um comportamento visivelmente oportunista, como o do PSDB e, por que não dizer também de setores do próprio PT. Ora, todos nós sabemos do comprometimento do PSDB com as teses neo liberais, haja visto as declarações de Arminio Fraga, ministro nomeado em plena campanha por Aécio, sobre a frouxidão do ajuste fiscal de Levy. Ele advoga um ajuste mais severo. Mesmo assim, a bancada do PSDB, por fazer uma oposição sectária vota contra o ajuste. Em relação a setores do PT e as centrais sindicais que lhe apoiam, somente agora começam a mostrar a cara em manifestações contra o ajuste, mas também aqui de forma oportunista, pois não querem admitir que a guinada conservadora na política econômica do atual governo faz parte de um conjunto da obra que se deteriorou e se degenerou como forma de governo. O modelo lulista que combinou exitosamente durante seu governo ajuste fiscal com distribuição de renda se esgotou. Como esgotou seu modelo de governo sustentado no fisiologismo, na cooptação e no imobilismo.
Em momentos de crise, ninguém é contra políticas que visem alcançar o equilíbrio fiscal. Não é esse o ponto de divergência entre as várias correntes de pensamento econômico. A divergência está nos diferentes caminhos para se alcançar o equilíbrio fiscal. Aqui que se encontra o ponto central, o nó górdio. A direita, para resumir, propõe o receituário neo liberal: corte linear dos gastos públicos atingindo indiscriminadamente programas sociais, educação e saúde; diminuição do tamanho do estado; desregulamentação da economia e avanço das privatizações; corte nos benefícios trabalhista; elevação exorbitante das taxas de juros, como única forma de combate à inflação; diminuição do valor da massa de salários como forma de conter a demanda; elevação de impostos; e, assim, por diante. As consequências sociais dessa política todos já sabem: mais recessão e aumento do desemprego. O seu objetivo estratégico seria obter o equilíbrio fiscal com concentração de renda, o que geraria a médio prazo aumento da elasticidade renda para a demanda de bens conspícuo, ou seja, a retomada do crescimento com aumento dos padrões de desigualdade.
Por outro lado, faz parte do receituário da esquerda medidas distintas que também podem alcançar o equilíbrio fiscal sem comprometer as conquistas sociais, tais como: corte de gastos seletivo, preservando os programas sociais e os investimentos nas áreas da educação e saúde; enxugamento da administração buscando planejamento e eficiência de gestão; modificação estrutural no sistema tributário transferindo a fonte de arrecadação que hoje recai sobre o consumo para a fonte de renda, promovendo a justiça fiscal ao reverter o imposto regressivo para o progressivo; taxação dos lucros exorbitantes do sistema bancário e do capital financeiro,; taxação das grandes fortunas; retomada dos incentivos à produção do etanol buscando avançar na renovação da matriz energética com energia limpa e renovável; eliminação da proibição dos postos de combustíveis comprar o etanol diretamente das usinas (com isso elimina o frete e diminui os custos do etanol para o consumidor); reverter a política de crédito dos bancos oficiais que financiam com gordos subsídios a formação de oligopólios em todos os segmentos da economia (o BNDES contribuiu para a formação do que ele denominou “campeões nacionais”); e, investimentos prioritários no transporte coletivo nas metrópoles brasileiras. O objetivo estratégico desse conjunto de medidas visa promover reformas estruturais que propiciem retomar um novo ciclo de distribuição de renda com equilíbrio fiscal. Os efeitos produzirão ampliação do mercado interno e desconcentração do desenvolvimento econômico.
Claro que o atual governo não consegue viabilizar nem um caminho nem outro. Se nem um ajuste mambembe do Levy é aprovado no Congresso muito menos um pacote de medidas que redundasse em uma guinada pela esquerda, como advogam alguns setores petistas e ligados aos movimentos sociais. Hoje, como se encontra o governo e o Congresso, ambos alvejados pela corrupção e falta de legitimidade não conseguem forças políticas capazes de sair do pântano em que se encontram. Somente uma mudança transformadora capaz de instituir novos atores políticos teria condições de renovar esperanças e restabelecer uma legitimidade perdida e, assim, aglutinar forças para viabilizar politicamente saídas para a crise. O pacote negociado recentemente com Renan e sua base de apoio no Senado sofre do mesmo mal: está cravado de ilegitimidade. Boa parte desta bancada vai ser indiciada pela Operação Lava Jato. Não reconhecer isso é correr o risco de prolongar essa crise por muito tempo.
(Fernando Safatle. Economista – [email protected])