Parábola dos dois filhos
Diário da Manhã
Publicado em 11 de agosto de 2018 às 21:31 | Atualizado há 7 anos
“Que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Chegando-se ao primeiro, disse: ‘Filho, vai trabalhar hoje na vinha’. Ele respondeu: ’Não quero’; mas depois, arrependido, foi.
Dirigindo-se ao segundo, disse o mesmo. Este respondeu: ‘Eu irei, senhor’; mas não foi.
Qual dos dois fez a vontade do pai?”
Responderam-lhe: “O primeiro”.
Então Jesus lhes disse: “Em verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes vos precederão no Reino de Deus. Porque João veio a vós no caminho da justiça e não acreditastes nele, enquanto os publicanos e as meretrizes acreditaram nele. Vós, porém, mesmo vendo isso não vos arrependestes depois, para acreditar nele”. (Evangelho de Mateus, cap. 21, vv. 28 a 32).
A Parábola dos dois filhos representa o modo pelo qual a Justiça Divina opera diante dos que falam e dos que fazem. Jesus realça a importância das atitudes no contexto evolutivo porque não adianta falar, ter boas intenções e não proceder de acordo com a Lei de Deus.
Jesus narrou essa parábola no Templo de Jerusalém aos principais sacerdotes, aos escribas e aos anciãos do povo. A Parábola apresenta três personagens: o pai e os seus dois filhos. Mais uma vez, Jesus se utiliza do número três pitagoreano para comunicar e ensinar. Um pai convida os seus dois filhos para o trabalho da vinha, ou seja, para o trabalho da evolução espiritual, para a melhoria de comportamento: “Filho, vai trabalhar hoje na vinha”. É um convite para hoje e não para amanhã ou depois. Porque a evolução intelecto-moral é permanente, não deve ser adiada, é urgente, é para hoje e todos os dias.
O trabalho na vinha requer cuidado porquanto a plantação de uvas é destinada a produção de uvas de mesa, de passa, de doces, de sorvetes, de sucos e de vinho. É um trabalho refinado, exigente, porém, é recompensador. A uva é o símbolo da transformação espiritual. Allan Kardec, na obra O Livro dos Espíritos, em Prolegômenos, transcreve a recomendação dos espíritos superiores, que utilizam a cepa, ou o tronco da videira, contendo um cacho de uvas, como símbolo do processo evolutivo estabelecido por Deus, conforme assevera:
“Porás no cabeçalho do livro a cepa que te desenhamos, porque é o emblema do trabalho do Criador. Aí se acham reunidos todos os princípios materiais que melhor podem representar o corpo e o espírito. O corpo é a cepa; o espírito é o licor; a alma ou espírito ligado à matéria é o bago. O homem quintessência o espírito pelo trabalho e tu sabes que só mediante o trabalho do corpo o Espírito adquire conhecimentos” (KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. Rio de Janeiro: FEB, 2013, p.50).
Jesus narra que, ao convite do pai, os filhos dão respostas diferentes. O primeiro, ou seja, o primogênito, não quis trabalhar na vinha, mas, posteriormente, arrependido da decisão, compareceu ao trabalho. Ao contrário do irmão mais velho, o filho mais novo logo respondeu afirmativamente ao convite do pai, mas não compareceu, ou seja, prometeu e não cumpriu a sua promessa de trabalho. Jesus, então, indaga aos seus ouvintes: “Qual dos dois fez a vontade do pai?” Eles responderam: “O primeiro”. Desse modo, Jesus obtém a resposta desejada porque, como diz o apóstolo Tiago (Tg 2:17): “A fé sem obras, está morta”. Não somente a fé, mas também a obediência, a boa intenção, as boas promessas, ou qualquer virtude sem trabalho, ou sem obras, não promove a evolução do espírito.
Jesus compara o primeiro filho aos sacerdotes, religiosos e pessoas respeitáveis socialmente que prometem e não cumprem suas promessas de trabalho na “vinha evolutiva” do Senhor. O segundo filho é comparado aos publicanos e às meretrizes, ou seja, às pessoas marginalizadas, sem tradição religiosa, transgressoras das leis morais, mas que acreditam, praticam as verdades espirituais e se transformam em pessoas virtuosas. Desse modo, Jesus censura a indiferença que os sacerdotes e doutores da Lei deram a João, o Batista, porquanto não estavam arrependidos de seus erros e por isso estacionaram no caminho da evolução espiritual. Teologicamente os judeus não consideravam o arrependimento uma condição sine qua non para a evolução, salvação ou redenção espiritual, tese defendida por João Batista e reafirmada por Jesus.
Ao longo da jornada terrestre, somos convidados diuturnamente ao honroso trabalho da mudança interior, mas na maior parte do tempo, o materialismo aprisiona o ser humano por meio de uma vivência periférica de si mesmo. Por isso, a mentira, a ilusão, as paixões inferiores e as promessas falazes encontram eco no recôndito do ser, gerando dores e desgastes psicoemocionais desnecessários. Em alguns momentos, prometemos e cumprimos as nossas promessas morais, mas, na maioria das vezes, agimos tal qual o segundo filho, prometendo sem agir, falando sem pensar e pensando critério de valores. Enquanto a síndrome do segundo filho predominar em nossas mentes e corações, haveremos de sofrer as consequências danosas dos nossos enganos e das nossas escolhas inconsequentes. Quanto mais imitarmos a postura do primeiro filho dessa Parábola de Jesus, lograremos êxito em todas as coisas porque estaremos a fazer a vontade do Pai Amantíssimo, vontade que começa com o trabalho na vinha do arrependimento dos nossos erros e fraquezas morais.
(Emídio Silva Falcão Brasileiro é escritor, pesquisador, membro da Academia Espírita de Letras do Estado de Goiás, www.cultura.trd.br)