Opinião

Parece que agora é a banana que vai comer o macaco

Redação DM

Publicado em 6 de julho de 2016 às 02:57 | Atualizado há 9 anos

Em dezembro de 1965, em pleno período da ditadura militar, Castello Branco sancionou a Lei nº 4.898, que regulamenta o processo de responsabilidade administrativa civil e penal, nos casos de abuso de autoridade.

Citada lei não era branda, pois penalizava quem agia contra a liberdade de locomoção, a inviolabilidade do domicílio, o sigilo da correspondência, a liberdade de consciência e de crença, o livre exercício do culto religioso, a liberdade de associação, os direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto e o direito de reunião e a incolumidade física do indivíduo, E no decorrer de tantos anos, teve apenas duas alterações: uma, em 1979, para incluir os direitos e as garantias legais assegurados ao exercício profissional, e outra em 1989, com a punição ao prolongamento da execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade.

Como a “joia da coroa” de hoje é a “Operação Lava Jato”, que aos poucos está passando o Brasil a limpo, todos os políticos de influência dizem, por uma boca só, que  não vão mexer com a “Lava Jato”, sendo um ponto de referência, inclusive do próprio presidente Temer, pois não quer contrariar o povo, que elegeu Sérgio Moro como o salvador da pátria.

Hiberna nas gavetas do Senado, desde 2009, um anteprojeto de lei que quer substituir aquela lei, que trata do abuso de autoridade. Segundo a proposta, o abuso acontece quando a autoridade praticar, omitir ou retardar ato, no exercício da função pública, para prejudicar, embaraçar ou prejudicar os direitos fundamentais do cidadão garantidos na Constituição, como, por exemplo, a liberdade individual, a integridade física e moral, a intimidade, a vida privada e a inviolabilidade da casa. Em suma, querem os políticos desavergonhados o  desarquivamento de projeto sobre abuso de autoridade tenha relação com a “Lava Jato”.

Renan Calheiros afirmou que pretende colocar o projeto para votação antes do recesso parlamentar, que deve acontecer a partir do dia 13 de julho. De acordo com o anteprojeto, a pena para quem praticar o crime de abuso de autoridade, de acordo com a proposta, é de quatro a oito anos de prisão e multa equivalente a 24 meses de salário. Caso o projeto seja aprovado, delegados, promotores, membros do Ministério Público, juízes, desembargadores e ministros de Tribunais Superiores que prejudicarem o cidadão indevidamente passam a responder pessoalmente pelo desvio, prevendo, ainda, o enquadramento como abuso de casos como a ridicularização de inocentes, vulgarização e quebra de sigilo, ordem ou execução de medida privativa da liberdade individual sem as formalidades legais, entre outros pontos.

Questionado por jornalistas se o desarquivamento tem relação com a operação “Lava Jato”, Renan, na maior “cara-de-pau”, negou a relação, afirmando que “não adianta. Ninguém vai interferir na ‘Lava Jato’. A operação está andando e já tem muita gente presa”, quando se sabe que ele é investigado pela operação que apura desvios de verbas da Petrobras e fraudes de contratos.

A turma da pesadíssima, defendida por Calheiros, pretende, como sói acontecer, livrar a cara de “patriotas” de alto coturno, políticos safos do PMDB, PT, PSDB, DEM, PP, PSB, PV, Solidariedade e partidos de aluguel e de empresários que mamam nas tetas do governo, que sempre acaba pagando a conta, bancada basicamente pelos indigitados contribuintes, enquanto eles pintam e bordam com as mordomias.

Acuado, para não dizer “borrado”, na iminência de ser preso e de perder a “boquinha” de presidente do Congresso (se, por sorte, não perder o mandato), Renan, que está profundamente implicado na “Lava Jato” e na “Zelotes”, desengavetou o anteprojeto que ameniza para os bandidos e endurece para os tentam limpar a podriqueira da política. E, segundo praticamente toda a grande mídia nacional do último dia 30 de junho, ele pretende levar à votação do plenário o tal anteprojeto, reativando a comissão que discute trechos não regulamentados da Constituição e votar o novo texto, que reconfigura o crime de abuso de autoridade, para enquadrar delegados, promotores, procuradores, magistrados (juízes, desembargadores e ministros), prevendo penas de até quatro anos e multa, além da perda do cargo em caso de reincidência, e estabelecendo várias situações como abuso de autoridade, como ordenar prisões “fora das hipóteses legais”, recolher alguém à carceragem policial, deixar de conceder liberdade provisória, prorrogar prisões temporárias, e outras situações já perfeitamente previstas na lei em vigor.

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), considerando que a artimanha do presidente do Congresso é uma interferência na Lava Jato, expediu dura nota, em que alerta que “diante de uma possível discussão pelo Senado Federal sobre projeto de lei que prevê punições a crimes de abuso de autoridade, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) reitera, mais uma vez, a preocupação da magistratura com tentativas de interferência na Operação Lava Jato. A entidade alerta que a pauta do Congresso Nacional precisa estar alinhada com os anseios da sociedade em temas que fortaleçam leis e medidas no combate à corrupção (…) Nesse sentido, a AMB considera que a simples existência de um projeto voltado a intimidar autoridades responsáveis pelo combate a esse tipo de criminalidade já é preocupante e causa apreensão na magistratura”.

Na verdade, a sórdida manobra de Renan Calheiros, que já teve que renunciar em 2007 para não ser cassado por denúncias de que suas contas pessoais eram pagas com dinheiro de propina de lobistas, trabalhou nos bastidores para garantir sua volta com apoio da maioria dos parlamentares.

E agora volta à cena com mais uma manobra: paralisar a Lava Jato, pois se perder o mandato (o que não é impossível), vai cair diretamente no colo do implacável Sérgio Moro.

 

(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])


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