Opinião

Parente difícil

Redação DM

Publicado em 25 de novembro de 2016 às 00:52 | Atualizado há 9 anos

Em toda família há parentes difíceis. São aqueles que vêm para cobrar dívidas de existências passadas. Embora poucas pessoas administrem esta realidade, eles são muito importantes para nossa evolução espiritual, porque nos ensinam a paciência, a tolerância e o perdão, dentre outras virtudes.

Problemas na família, até Cristo os teve e, com certeza, muito mais graves do que os nossos. Espírito puríssimo, totalmente desvinculado do ciclo reencarnatório, missionário dos missionários que unicamente por amor deixou-se imolar pelos homens, ele esteve entre nós duramente hostilizado, fora e dentro de casa.

O conceito de Sagrada Família da Igreja Católica – Jesus, Maria e José –, em harmonia perfeita, não encontra recíproca nos quatro Evangelhos. Os evangelistas deixam claro que o Mestre enfrentava divergências imensas no lar terrestre. Seus quatro irmãos – José, Simão, Judas e Tiago, e suas irmãs (Mateus, 13; 55,56) -, provavelmente filhos do primeiro casamento de José, não tinham noção da sua missão sublime e o consideravam um estranho. Em passagem alguma, demonstram simpatia por ele. Tentam prendê-lo e expulsá-lo da Judéia, afirmando que “ele tinha perdido o espírito” (Marcos 3; 21). Em outras palavras, enlouquecera. João, capítulo 7; 5, frisa: “Não acreditavam nele”. Partilhando das prevenções de seus inimigos, nenhum deles foi seu apóstolo ou discípulo. Jesus, no entanto, nunca revidou suas agressões, tratando-os com infinita paciência.

 

Parente  difícil

Francisco Cândido Xavier teve um sobrinho problema que lhe causou imensas amarguras. Esse fato está relatado por vários biógrafos do extraordinário médium. Quem o faz de forma mais clara e com riqueza de detalhes é Marcel Souto Maior, no seu livro As vidas de Chico Xavier:

“Em julho de 1958, o sobrinho Amaury Pena Xavier, de 25 anos, que morava em Sabará, apareceu na redação do jornal Diário de Minas para “desabafar”. Precisava se livrar de um peso na consciência: há muitos anos escrevia poemas, atribuía a obra ao espírito de Castro Alves e dizia ter sido escolhido pela espiritualidade para divulgar na Terra um novo Luzíadas. Pois bem: era tudo mentira.

– Aquilo que tenho escrito foi criado pela minha própria imaginação, sem interferência de outro mundo ou de qualquer outro fenômeno miraculoso. Assim como tio Chico, tenho enorme facilidade para fazer versos, imitando qualquer estilo de grandes autores. Como ele, descobri isso muito cedo. Tio Chico é inteligente, lê muito e, com ou sem auxílio do outro mundo, vai continuar escrevendo seus versos e seus livros – declarou”.

O jornal O Globo, edição de 16 daquele mês e ano, estampou em manchete de primeira página: “Desmascarado Chico Xavier pelo sobrinho e auxiliar”. Texto: “Depois de se submeter ao papel de mistificador durante anos, o jovem Amaury Pena, sobrinho de Chico Xavier, resolveu, por uma questão de consciência, revelar toda a verdade”.

O Diário de Minas decidiu apurar melhor a confissão do sobrinho de Chico Xavier e mandou um repórter a Sabará entrevistar Amaury, que estava em Belo Horizonte. O delegado de Sabará, Agostinho Couto, recebeu o jornalista e deu a folha corrida do acusador. Alcoólatra inveterado, “um desordeiro”, já tinha sido pego tentando roubar uma casa e fora expulso da cidade várias vezes pelo policial. O próprio pai de Amaury, José Pena, confirmou as acusações:

– Meu filho é um doente da alma. Todo mundo sabe disso. É dado a bebidas. Ontem mesmo, eu o apanhei caído no jardim, no maior pileque.

No dia 29 de julho, o repórter do Diário de Minas, responsável pelo furo jornalístico, conversou com o tio de Amaury.  Chico, na época bastante magoado, disfarçou a tristeza e respondeu como um verdadeiro cristão:

– Meu sobrinho, até agora, não frequentou reuniões espíritas ao meu lado, mas posso acrescentar que ele tem estado num grupo de espíritas muito respeitáveis em Belo Horizonte. Meu sobrinho, muito moço ainda,  pelo que observo, é portador de um idealismo ardente, em sua sinceridade para consigo mesmo. De minha parte, peço a Jesus que ele seja muito feliz no caminho que escolher.

A polêmica acabou ali. Amaury, sempre bêbado, internado em um sanatório da cidade de Pinhal, São Paulo, morreu pouco depois. Seu último desejo: divulgar um documento com pedido de desculpas ao tio. Como herança deixou um mistério: por que tinha atacado o médium? A versão mais aceita é a de que assumiu a autoria dos poemas e levantou suspeitas contra Chico para impressionar e agradar uma moça católica por quem se apaixonara.

Na noite de nove de janeiro de 1959, apenas com a roupa do corpo, Francisco Cândido Xavier trocou a cidade de Pedro Leopoldo, onde nascera e não fora compreendido, por Uberaba. Ao deixar Nazaré, onde vivera a infância, a adolescência e a juventude, Jesus afirmara que ninguém é profeta na própria terra.

 

(Jávier Godinho, jornalista)

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