Pergunta que tira o sono
Redação DM
Publicado em 14 de junho de 2016 às 02:32 | Atualizado há 9 anosTêm se tornado frequentes os convites que recebo para debater a atual crise da Celg nas universidades. Atendo a todas essas solicitações com maior prazer, pois entendo ser em um ambiente crítico, como é a academia, repleta de gente esclarecida, onde pulsa a voz eloquente da racionalidade, que a luz do Sol se estabelece não só para estudantes como para historiadores comprometidos em esclarecer para a sociedade a “verdade dos fatos”. Nesse ambiente crítico, questões como a Celg devem ser debatidas.
Num desses meus encontros com professores e estudantes, veio-me uma interessante indagação da plateia, que desejo, nestas linhas, abordar. Eis a pergunta: “É público que o atual momento por que passa a Celg resulta de anos e anos de corrupção. Corrupção que pressupõe-se tanto enriqueceu empreiteiros, políticos e, por certo, gente que lá de dentro contribuíram para essa ‘ordem de coisas’.” Meu interlocutor foi mais direto ao ponto: “Observando o sistema por dentro, o senhor acha que hoje também aconteceu enriquecimento de pessoas, pessoas essas pressupostamente colocados em postos-chave para, digamos, facilitar a erva daninha da corrupção? ”
Não procurando “fulanizar” a questão, penso que o jovem interlocutor foi pertinente na sua pergunta pois, vivi o “sistema por dentro” e posso apontar algumas reflexões sobre questões delicadas em alguns desses setores. Nesse ponto, na condição de cidadão, e usando da possibilidade de pensar hipoteticamente apresento algumas das minhas reflexões e ao final minha humilde conclusão. Vamos as reflexões:
Primeiro: quanto a contabilidade (criativa?). Esse termo, muito em voga no atual momento, serve para definir uma estratégia utilizada para justificar o injustificável. Penso que se isso aconteceu na Celg pode ser (e certamente o será no futuro) comprovada pela análise dos balanços da empresa. Também, usando da imaginação, penso que essa investigação, caso ocorra, deve ter como ponto de partida uma época em que a empresa apresentava lucros muito superiores aos que existiram na Celg em tempos inflacionários. Se isso for verídico, seria salutar investigar os contratos de obras superfaturados que poderiam estar escondidos num mecanismo contábil embutido na tal “Conta de Resultados a Compensar (CRC)”. Faço essa suposição pois me permito perguntar como era possível uma empresa dar lucros investindo 20 vezes mais que o necessário? Uma das hipóteses é que isso seria possível escondendo os prejuízos na CRC, prejuízos esses plenamente cobertos pela tarifa. Bem nesse caso o consumidor iria acabar pagando a conta transferindo renda para os de sempre, quais sejam: empreiteiros, políticos e uma rede de apaniguados pressupostamente colocados em postos-chave para facilitar as coisas. É a contabilidade pode criar a realidade conveniente. Lógico: dependendo do caráter de quem mexe com esse tipo de informação.
Segundo: licitações (fraudulentas?). Licitações podem conduzir uma empresa para um jogo de faz de conta em cujo contexto se sabe antecipadamente quem será o vencedor. Sabemos que basta para isso ter alguém no lugar certo para ler o preço mínimo e passar essa informação para quem se deseje que ganhe a licitação. Resultado: o “sortudo” dá um lance menor que o mínimo estabelecido ganhando assim obras geralmente suntuosas. Mas um pressuposto jogo de cartas marcadas dependente, mais uma vez, do caráter do gestor responsável pelo processo licitatório.
Terceiro: gestão de contratos. Bem, nesse ponto, basta ter o homem certo no lugar certo para fazer vistas grossas para os infinitos aditivos contratuais injustificáveis, que só transferem renda do público para o privado. Nesse caso tremo ao pensar que nesse bolo pode-se ter os eternos “consultores” remunerados a peso de ouro. Ouro esse pago com o suor do nosso povo.
Quarto: jurídico. Quanto a isso, dependendo do caráter de quem comanda o sistema, o ilegal pode tomar ares de legalidade, mas jamais de moralidade. Nesse sentido, é possível favorecer o acatamento de pressupostos pareceres que jamais se sustentam à luz de profissionais com notório saber jurídico que não se submetem a ser meros “paus mandados”. Esses “paus mandados”, quando existem no sistema, dão sustentação a atos imorais de gente que, via de regra, tem um passado comprometedor. Nesse ponto me pergunto se esse tipo de gente não deveria se recolher ao descanso fora da empresa, quem sabe em um local aprazível, talvez em Curitiba ou arredores.
Bem isso são meras hipótese pois não creio que a empresa abrigue gente com a desfaçatez de perpetrar essas barbáries contra o povo dessa “terra de Anhanguera”. Quem, que aqui vive, teria a coragem de se utilizar do povo para enriquecer? Quem teria tal falha de caráter? Apesar de não crer que esse tipo de gente exista entendo que é hora de se chegar aos “rigores da lei”. Para isso tem-se que colocar luz naquilo que, na calada dos gabinetes, pode ter acontecido e que, se ocorreu, possivelmente tentou-se esconder. Para que possamos dormir em paz é necessário, sim, que o Ministério Público investigue aqueles que estão fora e dentro do sistema. Em tempos de “delação premiada” é possível antever a fila para confessar o inconfessável e para apontar o dedo no rosto do antigo “amigo” pois a realidade tem mostrado que aquele que conta primeiro é o primeiro que sai do cárcere. É o que tenho a dizer e assinar em plena luz do Sol.
(Salatiel Soares Correia, engenheiro, bacharel em Administração de Empresas, mestre em Planejamento Energético. É autor, entre outras obras, de Uma Falência mais que Anunciada: o Caso da Celg)