Opinião

Pompeu, mestre da vida

Redação DM

Publicado em 14 de maio de 2016 às 02:06 | Atualizado há 5 meses

Voz forte, discurso altivo, oratória eloquente. Assim me recordo de Pompeu. Formado em Direito, era mestre na vida, conhecedor da história e de muitas estórias, difusor da fé, provedor da cultura pirenopolina e promulgador do folclore local. Um homem que colecionou lutas e ações incentivadoras dos costumes e do folclore do seu povo.

Na trajetória de Pompeu Christovan de Pina, a biografia de um homem que entendeu o valor da história e da cultura. Mais que contar histórias, ele resgatou e manteve vivas as tradições de sua terra. Valorizava a essência das coisas, desde um pequeno objeto antigo abandonado até gigantescos altares velhos de uma igreja dos negros que ruiu. Colecionou fragmentos do período colonial, típicos dos primeiros povoados de Goiás, preservando a história visual do nosso Estado. Como resultado desse trabalho, criou um museu com relíquias históricas.

Pompeu era um homem de fé. Foi criado e educado em meio a procissões, novenas, terços e missas, quase um sacerdote. Retrato disso, Pompeu se destacou como um dos últimos fabriqueiros, cargo antigo usado nas igrejas para pessoas que guardavam e zelavam pelos bens da paróquia. Quem quisesse encontrá-lo durante a Semana Santa, era melhor procurá-lo na Matriz, e lá estava ele arrumando os Santos, preparando o altar, colocando velas nos castiçais, ou em meio às procissões organizando as filas.

Pompeu amava e se doava à Festa do Divino Espírito Santo, da qual ele participava, ajudava e coordenava todos os anos por entender que se tratava de uma grandiosidade sacra e cultural. Buscava perpetuar todas as nuances dessa festa, desde a Congada, passando pelos Reinados, até o Cortejo Imperial e as Cavalhadas. Participava de tudo, e incentivava os pais a levar seus filhos para conhecerem e também aprenderem a amar essa festa e seus significados. Ensinou a todos os seus filhos a participarem e se dedicarem às mais variadas nuances da cultura pirenopolina.

Ia a alvoradas, farofadas, terços, tocatas, folias. Organizava o cortejo do imperador e coordenava todo espetáculo das Cavalhadas, uma das principais manifestações culturais do Estado de Goiás. Ações como a de Pompeu, que soube valorizar a beleza e a riqueza dos ritos dessas festas, ajudando a fortalecê-las e a perpetuá-las, foram fundamentais para que elas obtivessem o título de Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro.

Na festa do Divino, mesmo com todos os seus afazeres, ainda encontrava tempo para fazer teatro e interpretar o personagem Simão Velho na peça folclórica As Pastorinhas. Como nos versos cantados pelo seu personagem – “Eu me chamo Simãozinho. Moro em Jerusalém. Moças, velhas, menininhas. Todo mundo me quer bem” – todos lhe queriam bem. Pompeu era querido e aclamado como cerne das tradições pirenopolinas.

Sempre me sentia lisonjeado, honrado mesmo, quando Pompeu, em alto e bom som, comparava-me ao Comendador Joaquim Alves, maior benfeitor de Pirenópolis, criador do primeiro jornal de Goiás, o Matutina Meiapontense, dentre outros feitos.

Marconi Perilo 3

Outro momento marcante em nossa longa, despretensiosa e sincera relação de amizade ocorreu durante a inauguração da Matriz de Nossa Senhora do Rosário, reconstruída após o incêndio que nos dilacerou a todos, reinaugurada no último dia de meu segundo governo. Pompeu contou a história da Igreja de Nossa Senhora dos Pretos, que deveria estar erguida ao final da rua do Rosário. Relatou que, durante décadas, os negros, que eram proibidos de frequentar a “matriz dos brancos”, tentaram construir seu próprio espaço sagrado, mas esta igreja foi várias vezes destruída, incendiada, até que, já em ruínas, Pompeu retirou o que sobrou de seu bonito altar e guardou na Igreja do Carmo. Por ironia do destino, após o incêndio da Matriz, foi o altar da Igreja dos Pretos que socorreu a Igreja dos Brancos.

Um homem de pernas incansáveis, braços e mente inquietos. Não media esforços para participar de tudo que fosse possível em sua cidade, queria saber de tudo: na política foi vereador, foi diretor de escola, membro da Academia de Letras e da conferência Vicentina, diretor da banda de música, membro da Sociedade dos Amigos de Pirenópolis, membro da Irmandade do Santíssimo e presidente da Associação de Futebol da cidade. Foi peladeiro até o final da vida. Por duas vezes, imperador do Divino, a primeira vez ainda rapaz, com 18 anos de idade, e a segunda, no ocaso de sua vida, aos 80 anos, em 2014, realizando uma festa esplendorosa, preparada com muito amor e pompa, típica de um Pompeu de Pina.

Em dezembro de 2014, Pompeu partiu. Acompanhando seu cortejo fúnebre, pensava que conviver com homens como ele foi um privilégio, pois colhemos ensinamentos exemplares e aprendemos observar e ouvir com mais acuidade as coisas da nossa terra. Pompeu de Pina nos deixou o legado de que não basta apenas ser um amante de sua terra, mas que é preciso amá-la com dedicação – e ele não amou calado: amou fazendo, amou falando, amou lutando.

Sua lembrança em minha mente vem como música, a sua música predileta: “Quando nos Pireneus a tarde morre; e o sol se esconde por detrás da serrania; Na capelinha lá no alto do monte em voz dorida; quando sentida, soluça o sino, Ave Maria. Quanta amargura eu sinto n’alma; ao ouvir-te, ó sino, com tal voz assim chorar. E até me faz pensar que também sofres; como eu tanta saudade de um amor que já morreu”. Pompeu de Pina, Pompeu de Pirenópolis, Pompeu do Povo, Pompeu da Festa, Pompeu dos Pireneus, simplesmente Pompeu.

 

(Marconi Perillo, governador de Goiás)

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