Opinião

Por que deputados são contra afastar Eduardo Cunha da presidência?

Redação DM

Publicado em 10 de agosto de 2015 às 21:58 | Atualizado há 10 anos

As horas negras por que passa o Brasil revelam coisas consideradas inimagináveis aos olhos menos ligados nas sutilezas do cotidiano real. E causam indignação. Situações como, por exemplo, a permanência de Eduardo Cunha na presidência da Câmara dos Deputados mesmo se o Supremo Tribunal Federal abrir um processo contra ele motivado pela suspeita de que tenha recebido propina do esquema de corrupção apurado na Petrobras.

Vou por parte. Um processo é apenas um processo. Ou seja, o caminho para se apurar e, só depois, julgar. Dele pode sair tanto uma inocência como uma culpa. Até então, nada existe.

Quem desconhece como funciona, na técnica, a proteção “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, acha tudo uma defesa descabida. Principalmente se a proteção for para alcançar aquele que detém algum poder. Erro grave de interpretação. Se nem ao poderoso se der proteção legal, imagine como fica a situação do homem comum, do povo, no linguajar das ruas. Por isso, a afirmação de que “Todos são iguais…”. Perante a lei, óbvio! Grandes e pequenos com o mesmo tamanho, embora nas estratificações sociais, culturais e econômicas estejam distantes entre si. Daí, a confusão que as pessoas menos preparadas fazem do que intitulam de privilégios apenas aos poderosos. A lei não distingue ninguém nesse pormenor. Nas oportunidades da vida, aí sim, as distâncias são enormes. Não nascemos iguais, mas esse é detalhe para outras análises que não interferem no que tratamos agora.

É salutar lembrar, e o faço em nome do bom Direito, que a presunção da inocência (hoje denominada pela melhor doutrina de princípio da não-culpabilidade) não pode ser arredada de qualquer cidadão, pois tal é a vontade da nossa Constituição: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.” Não fora esse princípio, a segurança jurídica estaria bem pior do que está. Se já existem prisões arbitrárias, sem a presunção de inocência o mundo desabaria sobre os indivíduos, independente dos lugares por eles ocupados no meio em que vivem.

E tem mais. O encargo de provar a acusação é do acusador. Ninguém é obrigado a provar a sua inocência.

Todos têm direito a um processo. O acusador para demonstrar que os fatos que aponta são verdadeiros, como o acusado para ver sua inocência celebrada.

E nem distante pensem que caminhei nesta crônica em defesa de Eduardo Cunha. Unicamente observei que no mundo jurídico tudo ainda está por começar. E para começar deve haver uma denúncia. Não serve apenas indício. Indício é uma marca deixada, mas é preciso saber de quem é a marca. Cá com os meus botões, o bordão de delegacia: “Indícios suficientes” é uma balela. Apuração. A palavra mágica que pode transformar o indício em fato delituoso.

Protocolo legal à parte, o que me trouxe a esta crônica foi a pergunta título: “Por que deputados são contra afastar Eduardo Cunha da presidência?”

Vivi 16 anos dentro daquelas Casas do Congresso. Portanto, afeito aos seus sentimentos e às suas reações. Considero-me autorizado a responder que raramente elas não agem em espírito de corpo. E para ser honesto não acho que seja um pecado capital. Tudo depende do propósito.

Qualquer pessoa está sujeita a uma condenação. Um cargo não. Numa análise ainda superficial, pela expressão de parte das atuais lideranças da Câmara dos Deputados, a blindagem parece que seria da Presidência. Uma instituição em si, e que não é conveniente que sobre ela pese a perda de autoridade. Nessa hipótese, e só nessa hipótese, o espírito de corpo deve operar. Mas que em outras ocasiões operou diferente, operou. Razão do grande descrédito popular.

É cultural entre nós o espírito de corpo. Natural que organismos coletivos dele façam uso. Só espero que esse fato acessório não arranhe o principal, que é a democracia.

 

(Iram Saraiva, ministro emérito do Tribunal de Contas da União)


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