Por que hoje em dia a própria pessoa, pagam pelo mal que fizeram?
Redação DM
Publicado em 25 de janeiro de 2016 às 22:16 | Atualizado há 9 anosNa minha mesa de trabalho, em Belo Horizonte, em tinha uma imagem antiga de São Benedito, que Deija, minha irmã, me encarregara de vender. E olhando o santo de madeira bordado a ouro, que pertencera à minha bisavó, reparei que lhe faltava nos braços o Menino-Deus, e na cabeça uma vistosa grinalda de ouro que conheci na imagem, quando habitava o oratório de minha tia-avó Herculina.
Lendas diversas correm a respeito do santo preto, para justificar sua ascensão aos jardins da santidade. Na minha curiosidade de menino, certa vez indaguei a tia Herculina da razão de São Benedito ter nos braços o Menino Jesus, a exemplo de outros santos e algumas Nossas Senhoras, como a do Rosário, a das Graças, a do Perpétuo Socorro e outras.
– São Benedito é santo, porque é o padrinho de carregação de Jesus, meu filho! Foi ele quem levou Jesus Cristo nos braços pra batizar na igreja! – respondeu convicta minha velha e falecida tia-avó.
“Padrinho (ou madrinha) de carregação” é a pessoa que leva nos braços o batizando para a igreja.
Depois que passei a estudar o catecismo com a madre Consolata e o padre Lazinho, é que fui saber que Jesus Cristo foi batizado na quadra dos 30 anos e que São Benedito, padroeiro dos cozinheiros, quando nasceu, lá pelos anos de 1500, Cristo já havia sido crucificado séculos atrás. Mas a devoção dogmática de minha querida tia-avó, que morreu com seus mais de noventa anos, sempre “esclarecia” que, de fato, o santo preto tinha sido o padrinho de carregação de Jesus Cristo.
E a propósito de São Benedito, a ele se atribui o fato de, hoje em dia, a pessoa pagar o mal que pratica, no cumprimento da “lei do retorno”, quando, antigamente, às vezes era o filho, e muitas vezes o neto, que pagava o mal do pai e do avô, às vezes já falecidos.
Diz a lenda sertaneja que São Pedro, como guarda e chaveiro do céu, também era o encarregado de anotar as maldades praticadas pelos homens, para depois cobrar, possivelmente em vida. De vez em quando, passava as vistas no livro e percebia o nome de alguém que estava em débito, e ordenava:
– Gabriel, dê um castigo em Fulano de Tal, que praticou maldade tal com Fulano…
Ao que o serafim retrucava:
– Mas, São Pedro, ele já morreu e está no Purgatório!…
– Então, que pague o filho! – impunha São Pedro.
– Também já morreu, São Pedro!
– Então o neto irá pagar! – ordenava São Pedro.
Um dia, São Pedro, já cheio de tanto anotar as coisas, e dando-se conta de que estava velho demais para aquele serviço, pediu ao Senhor que o aposentasse.
Com pena do velho santo, e tendo em vista que chegara ali no Céu um santo pretinho com aparência de esperto (que era justo São Benedito), designou-o para ser o guarda-livros, mas o santo, ao ser-lhe passado o serviço, foi logo esclarecendo:
– Bem, São Pedro, o senhor sabe que fui escravo e que não aprendi a ler nem escrever. Assim, se a lei daqui não for contra, vamos fazer o seguinte: quando a pessoa praticar um mal na Terra, eu boto logo pra pagar, senão me esqueço.
É por isso que, hoje em dia, a gente mesmo paga o mal que faz, não esperando que filho ou neto o faça em nosso lugar.
(Liberato Póvoa – liberatopovoa@uol.com.br. (Desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, escritor, jurista, historiador e advogado)