Opinião

Por que o galo sobe na galinha?

Diário da Manhã

Publicado em 22 de dezembro de 2016 às 00:51 | Atualizado há 8 anos

Quando eu era criança, bem criança,  lá na fazenda do vovô Philadelfo e da vovó Ana Isabel, me chamava a atenção o galo subir na galinha. Ele se assanhava e ela se punha a correr, mas não ia longe, logo a alcançava. Penso que se tratava de frescura da fêmea,  pois parava, agachava-se um pouco, ele trepava e num abrir e fechar de olhos, Queria saber o porquê daquilo e perguntei pra vovó:

– Vovó, por que o galo sobe na galinha?

Não me lembro as palavras que ela usou  para me responder, o certo é que não me  respondeu.

Meus avós mudaram-se para Jataí, que jurisdicionava a fazenda em questão (hoje,município de Seranópolis) e naquele tempo engordavam-se suínos e criavam-se galinhas nos quintais urbanos. Nas ruas de Jataí, poeirentas no estio e barrentas no período chuvoso, passavam  automóveis, que eram poucos; charretes,  carroças, gente a cavalo, gente a pé, galinhas e cachorros. Repeti a perguntei à vovó e ela, se não me trai a memória, deu um muxoxo. Com um pouco de acanhamento, me conduzi a minha mãe para satisfazer minha natural curiosidade, mas o resultado foi decepcionante porque se resumiu nesta recomendação:

– Vai brincar!

Erraram a vovó e a mãe, erraram seus antepassados  dos tempos remotos, muito remotos. Gerações e gerações foram “educadas” para atribuir pecado à virtude exuberante do amor e da reprodução. O conceito da moralidade se sustenta na religião e esta, não raramente, demoniza o sexo, sinônimo de vida. Homens e mulheres, ao longo da história, proferiram votos de abstinência da atividade sexual para servirem a Deus. É o apelidado voto de castidade. Manter-se puro, dentro desse raciocínio, é despir-se do amor eros, é subjugar a carne.

Diderot defendia que o parâmetro para moralidade fosse a justiça e esta se resume – dissera Confúcio e Cristo confirmara – em “não fazer ao próximo o que eu não quero que se me faça ou fazer ao próximo o que desejo que me seja feito”. Moral é aquilo que é justo. A concentração de renda é imoral, imoral é a fome, toda lesão de direitos é imoral.  . O homem perde a castidade no dia em que ceder ao ódio o seu coração.

Deveriam meu pais me ensinar que o galo trepa na galinha para deixar, dentro dela, a semente que se transformará em pintainhos. Também o homem – prosseguiriam – sobe na mulher para depositar a semente.

– É por isso que você está aqui, meu neto, dir-me-ia vovó.

– É por  isso que você está aqui, meu  filho. Agora vai brincar! Dir-me-ia mamãe.

Horas depois, tendo dona Maria Clara – eis o nome de minha querida genitora – realizado muitas tarefas domésticas, sentar-se-ia ao  meu lado e me ofereceria mais luz sobre a beleza que a maldade interpreta como feiura.

Claro, Maria Clara e Ana Isabel viviam sob a influência da cultura do meio e da época e nós, seus descendentes, também. Quando chegou minha vez de explicar aos meus filhos eles já sabiam mais do que sabia eu quando era menino. Graças aos ensinamentos dos meus sogros e dos meus pais, em palavras e atos, notadamente minha esposa – modelo de virtude – e eu,  ensinamos a eles e netos que a desonestidade é imoral e corrupção(imoralidade) é lesão de direitos.

 

(Filadelfo  Borgea de Lima é maçom 33, sócio fundador da “Academia Rio-Verdense de Letras, Artes e Ofícios” e do “Instituto Histórico e Geográfico de Rio Verde”;autor de vários livros, auditor fiscal aposentado do Estado de Goiás, 72 anos, natural de Jataí, em Rio Verde reside desde 1973. [email protected])

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