Por que o PT tem razão (e por que não tem)
Diário da Manhã
Publicado em 22 de fevereiro de 2018 às 23:12 | Atualizado há 7 anosPara dirigentes, filiados e simpatizantes do Partido dos Trabalhadores, o julgamento do TRF4 que confirmou a condenação de Lula no dia 24 de janeiro foi escandalosamente parcial, politizado e farsesco. A hipótese da prisão iminente de seu líder máximo pôs a legenda em pé de guerra. Uns falam em desobediência civil, outros juram resistência física contra as forças policiais e há os que prometem manter a candidatura de Lula mesmo que contra a lei.
Deixando de lado as ameaças, as bravatas e uma certa histrionice inconsequente, a indignação dos correligionários do ex-presidente deveria ser ouvida com mais respeito. Ela se justifica. Os petistas têm sua razão quando alegam que, no conjunto das decisões judiciais que vêm punindo crimes de corrupção, a lâmina da espada da Justiça – que deveria ser apartidária – corta mais do lado deles.
É verdade que o tucano Eduardo Azeredo, ex-governador mineiro, ex-senador e ex-presidente do PSDB, também foi condenado (a mais de 20 anos). Acontece que, no caso dele, a Justiça andou bem devagar: os fatos que o levaram a ser penalizado aconteceram no século passado, em 1998, no “mensalão tucano”, e o caso ainda tramita. No caso de Lula, a velocidade processual foi, digamos, estonteante. Virtualmente inelegível, ele está a um passo da cadeia, enquanto Azeredo responde ao processo em liberdade.
Há outros sinais de assimetria. Se compararmos o tratamento judicial que recaiu sobre Dilma Rousseff com o tratamento judicial que não alcança Michel Temer de jeito algum, a sensação de que há dois pesos e duas medidas só piora. Dilma caiu por ter cometido as tais “pedaladas fiscais” – um artifício intraduzível de rubricas e planilhas do orçamento que o brasileiro médio nunca entendeu direito. Já Michel Temer, embora tenha de responder a perguntas da Polícia Federal sobre propinas relacionadas a portos, embora ostente uma lista de ministros e ex-ministros implicados até a alma em processos de corrupção e embora tenha sido gravado numa conversa mais do que comprometedora com Joesley Batista, segue imperturbável no Palácio do Planalto. O cidadão olha para isso e se pergunta: qual a justificativa jurídica para tamanha discrepância? Pergunta e fica sem resposta.
Os petistas têm legitimidade para se indignar. Não que a Lava Jato só tenha condenado réus do partido de Lula. Ela mandou prender gente de outros partidos (como o PP, o MDB ou o PTB), mas o PT vem pagando mais caro e mais rápido. Os petistas não tinham e não têm monopólio no mercado em que os corruptores distribuem subornos (Eduardo Cunha e Sérgio Cabral, ambos do MDB, que o digam), mas fica no ar uma sensação de que os petistas têm preferência no momento em que os juízes distribuem penas.
Você pode não gostar do PT, mas não terá argumentos para sustentar que o inconformismo dos petistas não é humanamente compreensível. Mais do que compreensível, esse inconformismo deveria ser ouvido como um alerta. A Justiça não é justa quando se assemelha a uma arma de vingança bruta ou quando aceita que tripudiem sobre os encarcerados. Juízes não são justiceiros. Justiça é equilíbrio, imparcialidade, altivez, ou não é Justiça. Mais que um esperneio de condenado, a grita do PT sinaliza que há algo de negativo com a imagem do Poder Judiciário no Brasil – e esse é um problema nacional.
No mais, o PT não tem razão. Em quase nada. Não tem razão em pretender-se, ainda hoje, o representante universal e único da ética na política. Essa arrogância vazia seria ridícula, se não fosse espúria. O PT não tem razão em fingir, até hoje, que seus quadros mais proeminentes não praticaram crimes (comprovados) que envergonham a sigla, a esquerda e toda a República. Não tem razão em blefar, dizendo que “eleição sem Lula é fraude” – a não ser que, se Lula não puder mesmo ser candidato, o partido boicote as eleições e não lance candidato nenhum. Ou bem as eleições sem Lula são verdadeiramente uma fraude e, como fraude, devem ser anuladas, ou bem o PT participará das eleições de 2018 de um modo ou de outro e só fala em fraude agora para confundir e sabotar a normalidade institucional.
O PT não tem razão em se recusar, até hoje, a instaurar processos internos contra seus próprios corruptos. Não tem razão em impedir a renovação de seus quadros e de seus métodos. O partido tem lá sua razão subjetiva de bradar contra os desembargadores, mas, convenhamos, isso é pouco. Para uma estrela que brilhou tão alto, é desgraçadamente pouco.
(Eugênio Bucci, jornalista e professor da ECA-USP)