Por uma alfabetização libertadora
Diário da Manhã
Publicado em 20 de fevereiro de 2018 às 00:12 | Atualizado há 7 anosLer e escrever são processos indispensáveis para a sobrevivência na sociedade de base neoliberal como a brasileira. Ainda que seja possível encontrar comunidades indígenas ou mesmo quilombolas de culturas ágrafas no Brasil, para maioria dos brasileiros é de fundamental importância a apropriação dessas habilidades para acesso aos bens culturais e materiais socialmente produzidos. Em outras palavras, o ler e o escrever garantem ao menos na teoria, um mínimo de dignidade aos brasileiros, especialmente a classe proletária e seus filhos.
Essas duas dimensões do processo de ensino e aprendizagem são lugares reconhecidamente observados como representações espelhadas, uma da outra, refletindo visões contrárias de um mesmo evento, a interação por meio da linguagem escrita. Mas é preciso dizer para um leigo no assunto que ler e escrever não são elementos idênticos. Pelo contrário, as disposições usadas na leitura e na escrita, são diferentes, assim como a maneira com que a criança ou o adulto não alfabetizado apreender essas habilidades são díspares.
Reconhecer, pesquisar e debater esse tema é papel dos educadores envolvidos nesse processo fundamental para o sucesso escolar, e consequentemente para o desenvolvimento de um ensino crítico e reflexivo.
A maneira com que o poder público vem tratando o tema, coloca medo até em Matthew Murdock, o Demolidor.
No modelo educacional brasileiro, a função de alfabetização e letramento cabe ao professor pedagogo. Porém o que tem se observador é que o profissional formado em Pedagogia não tem as habilidades e competências necessárias para dar conta sozinho de tarefa tão complexa. Se antes numa sociedade onde o ensino era privilegio de uma minoria, o profissional de magistério conseguia avançar na formação de sujeito alfabetizados, hoje com a democratização do ensino as classes populares, esse processo não tem ocorrido. A mudança de paradigma de linguagem propiciado pelas redes sociais com seus hipertextos, multifacetados e linguagens recortadas deixaram os pedagogos mais perdidos ainda nesse tiroteio. A questão não reside apenas na escolha de métodos globais ou fônicos para ficar num campo caro aos profissionais da pedagogia. O tiro foi certeiro e o buraco é bem mais embaixo.
A tarefa de alfabetizar e letrar não pode estar apenas nas mãos dos pedagogos. Essa responsabilidade precisa ser dividida entre os professores de Letras, bem como psicólogos e demais profissionais especialista no assunto. Mas antes qu acusem-me de preconceito aos pedagogos reflito: A culpa é do Pedagogo? Evidente que não, parafraseando o educador Darcy Ribeiro o fracasso da alfabetização e letramento no Brasil é um projeto de Estado. As salas superlotadas nas 1ª e 2ª séries evidenciam isso. Há um consenso entre pesquisadores no assunto que o máximo de alunos numa sala de alfabetização deve ser de 25 estudantes, de preferencia com um auxiliar de sala. Porém não é o que observamos. Nesse inicio de ano, já ouvi relatos de salas com até 30 alunos. Outro item que denota que o fracasso da alfabetização e letramento é um projeto de Estado é o fato das grades dos cursos de Pedagogia sequer terem disciplinas ligadas a linguística, sociolinguística ou mesmo psicolinguística. Como o profissional responsável pela mediação do ensino tem conhecimento rudimentar sobre o seu campo de trabalho? É como se ao fraturar os braços ou as pernas, ao invés de ser atendido por um ortopedista, você aceitasse ser atendido por um clinico geral…
Para piorar o quadro é pífio o investimento em formação continuada. E quando ocorrem, as poucas, exigem do docente o sacrifício do convívio da família, geralmente nos fins de semana ou o martírio físico de suportar cursos que iniciam-se as 19h e terminam as 22h, isso depois de dois turnos de trabalho na escola.
O resultado dessa perversa equação é o fato de que os alunos estão chegando nos terceiros e quartos anos sem o domínio do código. São alfabéticos rudimentares.
A leitura é um processo de relacionar símbolos (imagens, representações gráficas) escritos a unidades de som e é pari passo a isto a capacidade de erigir uma interpretação de textos escritos. A escrita requer habilidades cognitivas e motoras, o que necessita prática, independente do meio utilizado – lápis, borracha e papel ou teclado do computador. É imprescindível que o educando consiga diferenciar a escrita de outras formas gráficas de expressão, da mesma maneira é preciso a compreensão de que o norte que regula a escrita é a correspondência entre o grafema e o fonema.
Mas ler e escrever não são apenas desenhar e decodificar símbolos. Ler e escrever são funções sociais que os filhos das classe trabalhadora devem se apropriar para a consubstancialização de um modelo de escola revolucionária e transformadora. Que rompa com a alienação e modifique o atual sistema. A formação de sujeitos críticos e indóceis de governar começa com a mudança de paradigma na alfabetização e letramento brasileiro. Esse é o verdadeiro principio da escola pública. O grande Paulo Freire nos deixou o maior legado sobre o conceito de alfabetização e letramento, expresso na frase “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é? ser o opressor.”
Por uma alfabetização libertadora já!
(Edergênio Vieira, poeta e educador na Rede Municipal de Ensino de Anápolis)