Porque não tinha que ser
Redação DM
Publicado em 26 de setembro de 2018 às 23:04 | Atualizado há 7 anos
Dona Elídia Simoneti tinha uma turma de teatro, moças e rapazes que gostavam de arte. Ela revolveu encenar a comédia As Sobrinhas do Bentinho e fez a escalação dos atores: Adélia Elias, bela jovem descendente de tradicional família síria libanesa local; Helio Nogueira, filho de um oleiro que fazia filtros e potes de barro naquele tempo; a linda Maria José (que mais tarde casou-se com o Natal que tanbem trabalhava numa das emissoras da cidade), Wagner Estelita de Melo, um grande talento; e o Degas Maciegas aqui, que foi escolhido para o papel central da peça, minguem mais do que ELE… Ele! Ele! Mas o tal de Ele não aparecia… E o apresentador ficava de braço estendido, esperando a entrada do principal participante da peça que teria uma palavra antes… Os demais intérpretes também esperavam para começar a apresentação. Quando viu que o Ele não vinha foi ver o que houve e saiu pelo lado esquerdo enquanto o Ele entrava pela lateral direita.
O apresentador foi ao fundo do palco saber o que ocorrera. Foi então que a Dona Elidia Simoneti contou.
— Olha ele lá! O homem rumou até ele: — Iron! Não é hora do beijo na moça não rapaz! E eu: – Estava só ensaiando, Seu Gilberto! —Que ensaio? Não tem beijo na peça? E a Maria José: — Não tem? E o Iron inventou três – três! – e eu caí na dele.
Foi só assim para começar a peça. Comigo, no Papel de Bentinho.
Lá pelo meado da apresentação, entre risos e aplausos, houve uma cena em que o Bentinho foi apresentar a bela sobrinha ao namorado, sem querer permitir o namoro. E mostrava a parte mais atrativa da moça, passando a mão no joelho dela. Enquanto a mão do Bentinho ia joelho acima, a plateia fazia sonoro acompanhamento: Ohhhhhhhhhhhh, Ohhhhhhhhh! Mas quando Bentinho alisava a mão joelho abaixo, a plateia desanimava: Nããããõoooooo! Nãooooo! Se subia: Ohhhhhhhhhh! Baixava Nãoooooo !
Só me lembro de que a peça terminou com o teatro lotado. Tinha gente até no madeiramento no telhado. (rac! Garganta coçando! Rsrsrs). Antes da peça principal interpretei num esquete o papel de O Palhaço, de Henry Heine, drama vivido por um artista de circo, em seguida é que foi apresentada a peça As Sobrinhas do Bentinho. Nos dias seguintes pessoas que não assistiram, mas queriam ver a peça, pediram à dona Elidia que fizesse a reprise, pois a cidade inteira comentava feliz a apresentação. Não sei que trombas d’água houve que não aconteceu a segunda apresentação. Não me recordo.
Havia eu escrito uma peça especial, dramática, cheio de imprevistos, prometia sucesso a vida inteira. Redigi-a direto e só fiz uma cópia. Fui escalar o elenco e o primeiro convidado foi o Eliziário. Pediu-me emprestada a peça – eu disse não, só tinha aquela cópia que era o original. Nos ensaios cada qual copiaria sua fala. Mas ele insistiu tanto, prometeu que no dia seguinte a devolveria, tão entusiasmado estava. “Emprestei-a-á”! Mas não vi mais o Eliziário. Fui à casa dele na Praça Santana (Casa do Alberico Borges de Carvalho, onde a mãe dele trabalhava), era uma mulher alta e simpática. Disse que ele tinha ido a Brasília. Que logo voltaria. Quando voltou, cobrei minha peça. O Eliziário falava inglês e, naquele tempo, quando da construção da Nova Capital, ele ia para lá servir de intérprete para os gringos que visitavam a edificação de JK. Ele, qual a genitora, era alto, magrinho. Tão logo perguntei pela peça, ele virava a cabeça para um lado virava pro outro coçando o cocuruto.
— Fala ô cara! “Quéde” a peça? Ele gaguejou um pouco, mas soltou o verbo:
— Quando fui a Brasília minha mãe pegou sua peça, leu-a, disse que era coisa do demônio… E… A jogou no fogo.
— No fogo, Elizário? Que fogo? Não deu pra você salvar?
— Eu disse Iron. Eu tinha aproveitado uma condução e fui trabalhar em Brasília. Minha mãe leu, arrepiou-se toda, e jogou a peça na chama do fogão. Queimou-a. Vocês precisavam sentir meu desalento!
Saí sem dizer nada. Assim são tratados os autores em Goiás, rsrsrs.. Foi a primeira e última peça teatral que escrevi. Se tivesse vingado estaria sendo apresentada até hoje. E eu não estaria quem sabe tão pobre. Snif! Brincadeira. Por que não tinha que ser. É isto.
(Iron Junqueira, escritor)