Opinião

Posse de Alaor Barbosa na Academia Brasiliense de Letras

Redação DM

Publicado em 4 de junho de 2016 às 02:53 | Atualizado há 9 anos

Nesta segunda-feira, 23 de maio, às 20h, tomou posse na Academia Brasiliense de Letras, Cad. XXIX, em sucessão ao saudoso acadêmico Kurt Pessek, Edifício da ANE, Academia Nacional dos Escritores, Brasília, DF, o confrade Alaor Barbosa, integrante, também, da Academia Goiana de Letras. A solenidade foi presidida pelo acadêmico Carlos Fernando Mathias de Souza, representante da entidade, e saudado pelo acadêmico Fábio de Sousa Coutinho, em bela peça literária, um primor de fino lavor, que a todos encantou.

Em sua oração de 25 laudas, Alaor, com a eloquência que lhe é inerente, discorreu, inicialmente, sobre Brasília, desde suas origens, e sua contribuição para a escolha do nome da futura Capital Federal; bem assim, a contribuição da brilhante jornalista Dayse Porto, que ele viria a conhecer na Associação Goiana, do Rio de Janeiro-RJ, de quem viria a se tornar grande amigo.

Ao tomar conhecimento, através do diário carioca “Última Hora”, de que o presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira decidira construir Brasília, a nova Capital da República, para o Planalto Central, Alaor, ali mesmo, na Rua Corrêa Dutra, escreveu uma entusiástica crônica pioneira, saudando a inédita decisão presidencial que teve sua origem na goiana cidade de Jataí, Sudoeste do Estado planaltino. Crônica que seria publicada no semanário “Jornal de Notícias”, editado sob a direção do deputado federal, futuro senador e, mais tarde, ministro da Justiça Alfredo Násser, no qual seu irmão Eurico Barbosa colaborava, crônica efetivamente publicada dias após. Logo a seguir, o presidente tomaria as primeiras providências: visitaria o quadrilátero demarcado pela Comissão Kruls, plantaria o Cruzeiro simbólico, e mandaria adotar providências subseqüentes, como era de seu estilo dinâmico. Fala, a seguir, de sua emoção de ver a Capital de seus sonhos, vicejante, esplendidamente exuberante. E faz referências emocionadas ao Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, e à Academia de Letras do Brasil. E faz uma paráfrase de Machado de Assis, dizendo que “o reconhecimento, sinônimo de solidariedade e apoio, fortalece e estimula, além de ser o que eleva, honra e consola”.

Discorre, a seguir, sobre o Patrono da Cadeira, a de número 29, Hugo de Carvalho Ramos, “o qual, ainda na puberdade, na adolescência e na juventude, produziu valioso livro de histórias, – intitulado “Tropas e Boiadas”, – e que, pouco depois de o publicar, decidiu, dramaticamente, ausentar-se deste mundo, pelas suas próprias mãos, aos vinte e seis anos de idade”. Situa, a propósito, que “Hugo de Carvalho Ramos” nasceu em 21 de maio de 1895, na cidade de Goiás, um pequeno burgo decaído de sua antiga grandeza de centro de produção de ouro, mas riquíssimo em cultura, em fecundas tradições, em valores humanos de extraordinária importância, e que ainda cumpria o papel de Capital do Estado. Ele formou o seu espírito lá mesmo em Goiás, nas escolas, na convivência com meninos e rapazes da sua geração, e em andanças através das zonas rurais com o seu pai, Manoel Lopes de Carvalho Ramos, um baiano de estirpe literária que, formado em Direito na tradicional Faculdade de Direito, se transferira para a longínqua província de Goiás a fim de exercer o cargo de Promotor na Comarca de Torres do Rio Bonito, atual Caiapônia, na zona Centro-oeste da Província. Era poeta, esse Manoel Lopes de Carvalho Ramos. A principal produção do seu estro foi o poema épico Goyânia, que conta em versos camonianos a historia do descobrimento de Goiás pelo bandeirante paulista Bartolomeu Bueno da Silva, o primeiro Anhanguera, no último quartel do século XVII. O longo poema – que anos mais tarde forneceu o nome da nova capital do Estado – foi editado em livro, em Portugal, em 1896, e trazido para Goiás em longas viagens de navio: Um que veio de Lisboa e Belém do Pará, e outro, que subiu os rios Tocantins e Araguaia, até alcançar o porto de Leopoldina, no Rio Araguaia. Desse lugarejo, hoje cidade de Aruanã, o livro foi transportado para a cidade de Goiás, é fácil presumir que em carro de bois ou em alguma tropa que costumava fazer o trajeto Leopoldina-Goiás.

“Com dezessete anos de idade, em 1912, após os estudos fundamentais e os médios, Hugo se transferiu para o Rio de Janeiro”. Enquanto fazia, com um talento intelectual notado por alguns colegas, mas sem bastante empenho, o curso de Direito, ele se empenhou na sua atividade literária escrevendo contos e poesias.

“Aos vinte e um anos de idade, em fevereiro de 1917, publicou o seu primeiro e único livro de ficção”. ‘Tropas e Boiadas’, cujas histórias revelam a sua profunda identificação com a terra em que nascera. Dos catorze contos e do romance ‘Gente da Gleba’, que o integram na edição definitiva preparada por seu irmão mais velho, Vitor de Carvalho Ramos, nenhum discrepa dessa identificação telúrica – uma tendência literária, aliás, predominante na época. ‘Tropas e Boiadas’ participa do conjunto de livros configuradores de uma literatura regionalista que, então, se desenvolvia no Brasil, e que se representa muito clara nos extraordinários romances do baiano Afrânio Peixoto e nos belíssimos contos do gaúcho Simões Lopes Neto, em continuação da literatura muito bem produzida pelo cearense José de Alencar, o mineiro Bernardo Guimarães, o fluminense Visconde de Taunay, o maranhense Aluízio Azevedo, o pernambucano Franklin Távora, o maranhense Coelho Neto, o mineiro Afonso Arinos, o paulista Valdomiro Silveira, o paraense Inglês de Souza, o cearense Oliveira Paiva, o baiano que viveu em Goiás, Crispiniano Tavares, o maranhense Graça Aranha, e pode ser incluído, o fluminense Euclides da Cunha, e que prosseguiria, em parte, nos contos do paulista Monteiro Lobato e nos contos e romances do fluminense Adelino Magalhães. Há quem vincule o livro do nosso autor goiano diretamente ao belíssimo livro de contos ‘Pelo Sertão’, de Afonso Arinos, o grande filho de Paracatu, município confinante com terras goianas deste nosso Planalto Central.

“É bom esclarecer, – continua Alaor – que Hugo de Carvalho Ramos, apesar de sua condição de precursor e pioneiro no conto regionalista brasileiro, não foi o inaugurador do conto regionalista em Goiás. Antes dele, houve o valoroso escritor baiano, que acabei de citar, Crispiniano Tavares, o qual viveu em Goiás na zona sudoeste – na cidade de Rio Verde – e publicou, em Uberaba, um livro de contos, intitulado ‘Contos, Fábulas e Folclore’. Também em 1910, ano em que parece ter sido publicado o conto ‘O Saci’, de Hugo de Carvalho Ramos, que não tinha mais do que quinze anos de idade, saiu no ‘Anuário Histórico, Geográfico e Descritivo do Estado de Goiás’ para o ano de 19l0, do Professor Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, um conto, intitulado ‘Tragédia na roça’ de autoria de uma jovem (com vinte e um anos de idade), autora da cidade de Goiás, Cora Coralina, que muito tempo depois, a partir do ano de 1965, se tornaria bastante conhecida em quase todo o Brasil, principalmente por causa de sua produção poética”

A seguir, Alaor informa:

“Vou transcrever o segundo parágrafo do primeiro conto de ‘Tropas e boiadas’, ‘Caminho das tropas’, para dar uma pequena amostra do estilo e linguagem das narrativas de Hugo.

“O Joaquim Culatreiro, atravessando sem parar o piraí na faixa encarnada da cinta, entre a ‘espera’ da garrucha e a niquelaria da franqueira, desatou com presteza as bridas das cabresteiras, foi prendendo às estacas a mulada, e afrouxou os cambitos, ditando abaixo arrouxos e ligais, enquanto um camarada serviçal dava a mão de ajuda na descarga dos surrões”.

Esse vocabulário bem marcado e o ritmo cadenciado e vigoroso constituem a tessitura e as principais características da linguagem e estilo de Hugo de Carvalho Ramos em todas as narrativas que retratam, com fidelidade, o meio rural e o das pequenas comunidades sertanejas da terra goiana. Nelas, se verifica ter ele pagado o preço da sua juventude, com algumas passagens o seu tanto imaturas e, aqui e ali, açamoucadas com lapsos e impropriedades, mas sem prejuízo do notável e sempre presente vigor narrativo e de um extraordinário senso das proporções. Cada história possui a extensão necessária.  Isso se verifica não apenas nos contos, mas também no pequeno romance, ou novela, como se queira. ‘Gente da gleba’ que é, certamente, uma pequena obra-prima na linguagem e estrutura pela originalidade temática. ‘Gente da gleba’ constitui talvez a primeira narrativa brasileira que apresenta o drama do trabalhador rural brasileiro, e, note-se, com uma veracidade quase documental, que não se encontra na nossa literatura, senão nos romances posteriores a 1930: Nela se verificam as duras e perversas relações de dominação e injustiça existentes entre os danos da terra e os homens que nela trabalhavam. Um extraordinário exemplo é a cena da castração que o latifundiário – sempre chamado apenas de Coronel – executa no pobre e indefeso rapaz que ousara defender contra ele a posse de uma mulata do arraial de Curralinho. É bem sabido, em Goiás, que essas situações ocorriam na realidade no duro mundo da vida rural.

 

(Licínio Barbosa, advogado criminalista, professor emérito da UFG, professor titular da PUC-Goiás, membro titular do IAB-Instituto dos Advogados Brasileiros-Rio/RJ, e do IHGG-Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, membro efetivo da Academia Goiana de Letras, Cadeira 35 – E-mail [email protected])


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