Potência não é nada sem (auto)controle
Redação DM
Publicado em 6 de agosto de 2018 às 22:53 | Atualizado há 7 anos
Teclem aí no Google: “Sarney é igual a Hitler”. Vão descobrir quem foi o primeiro brasileiro a colocar para correr a ex-presidenta que “não soube andar com as próprias pernas”.
Aos poucos este escriba descobriu que tinha o dom para prever tragédias políticas. Como isto não dá dinheiro, ele preferiu guardar a habilidade na prateleira e se concentrar em outros talentos mais lucrativos.
Mas eis que publicaram um artigo meu no DM sobre o processo político brasileiro e o escriba recebeu dezenas de emails e telefonemas. Incrível como esse jornal tem leitores no mundo inteiro! O amigo Jean Simone, morando na Itália, telefonou e disse que “escreva outro, quem está longe às vezes vê melhor do que quem está perto, principalmente quando a coisa a ser vista é grande e confusa. Os candidatos ficam com bajuladores em volta e perdem o senso de direção”.
Um dia o então governador de Brasília, Zé Aparecido, chamou este escriba, então seu assessor, e perguntou: “Fulano diz que voce está falando mal do governo”. Ele(este aqui) respondeu: “Estou apenas vendo água vazar no barco e querendo alertar o comandante”.
Alguns meses depois o governador perdia o cargo, substituído pela trágica figura que inaugurou triste era de corrupção no DF. Zé Aparecido e o escriba continuaram amigos, a ponto de dividirem cervejas no melhor hotel de Brasília, quando ele visitava a cidade, anos depois. “Somente voce para me fazer beber, minha mulher e médicos não podem nem saber”, confidenciava.
No século seguinte o escriba morava na rua Santo Antônio em São Paulo e recebia a visita do Hamilton, líder de ocupação de prédios na cidade, que pedia apoio para escrever uma nota do movimento. Lá pelas tantas, este escriba inseriu leve referência crítica ao então poderoso presidente do Senado, José Sarney. O amigo objetou que era melhor tirar aquilo, pois o maranhense era aliado do governo do partido no qual ele militava e por aí ia.
O escriba teve um ataque de sinceridade e começou a lamentar que “o Zé Dirceu (na época poderoso igual estátua ambulante) vai acabar enterrando esse governo e o Brasil. Querer controlar até o que vai escrito em nota de movimento de ocupação, isso é suicídio”! O amigo continuou a objetar toscamente, dizendo que a linha do partido era não criticar o oligarca. Depois vieram o mensalão, o petrolão, o “golpe”, etc. Potência não é nada sem controle. Mas principalmente o auto-controle, e o controle até na ânsia de tudo controlar.
Alguns meses atrás este escriba fez chegar mensagem ao pré-candidato a presidente Ciro Gomes, mais ou menos nos seguintes termos: “Se focar correr atrás da ‘classe política’, vai terminar dividindo mesa com a senadora Katia Abreu na associação da classe política aposentada (ela ficou em quarto lugar em pleito suplementar no Tocantins, justamente por ser a mais identificada com a ‘classe política’ pela mídia)”.
Pois agora Ciro Gomes anunciou a senadora tocantinense como sua candidata a vice-presidente, depois de levar bolos da “classe política” em suas tentativas de buscar alianças. Não podia ter escolhido pior.
Por mais que pense ser raposa, o candidato do PDT parece incorporar justamente as críticas que ele mesmo faz aos ex-presidentes do Brasil que o antecederam depois de chegar lá. Mas eles chegaram e ele ainda está tentando. Ele parece exercer o “deixa que eu chuto” do Luís Inácio, e o “não andar com as próprias pernas” da presidanta. Tomara que ele não chegue ao estilo FHC, que é, como ele bem define, a “traição” pura e simples.
O candidato Ciro Gomes fez a melhor pré-campanha mas parece que perdeu o senso e o rumo, correndo atrás da podre “classe política” brasileira, e se posiciona, nessa altura do campeonato, para disputar um honroso quarto lugar. Se continuar a falar e a colocar no horário gratuito suas defesas da “classe política”, perde até o caminho de volta para casa. Fiasco total. A menos que dê uma pausa de descanso e reevalie os rumos da campanha.
Nem um goiano ingênuo (e a ingenuidade é nossa marca registrada) pode hoje acreditar que as recentes tratativas para compor alianças políticas no Brasil, deram-se apenas com base em princípios e promessas futuras. Os dois grupos que conseguiram fazer mais alianças, controlaram os principais orçamentos do Brasil nos últimos anos (o Federal e São Paulo). (Atenção PF, Ministério Público e Justiça, obrigado. E o Brasil precisa de voces mais do que nunca!)
O ministro do Supremo Gilmar Mendes, que conhece bem a bandidagem de primeiro escalão, disse que “o PT tem dinheiro para fazer campanha até 2035”. E seria muita ingenuidade acreditar que o ex-governador de São Paulo vai ter que montar banquinha para vender tucanos de plásticos para arrecadar fundos.
E por falar em Supremo, quem me garante que não rolou uma boa caixinha para o “herói do povo brasileiro” conseguir liberdade provisória para, mais uma vez, comandar a estratégia do partido dos “cumpanheiros”? Mais tragédia à vista.
(W. Tede Silva realizou os filmes “Tudo São Referências, Tudo São Memórias” e “Matrículas Abertas, Vagas Limitadas”. Autor de “Sasha, What Is To Be Done?”, e presidente do CAici – Institut Internacional Culturel Castro Alves, em Paris, França)