Prédio de trinta e seis janelas
Redação DM
Publicado em 7 de dezembro de 2015 às 21:16 | Atualizado há 10 anosEm uma esquina quase no centro da cidade, está ele lá enraizado. Incólume aos anos. Somente três andares. Térreo tomado por lojas comerciais na qual reina pela esquina inteira a venda de colchões. A porta é lateral e o nome dele deve ser daqueles antigos, tais com Bemosa, Acaiaca, Ravena, ou Gold qualquer coisa…
Como hoje é domingo, não há movimento. Algumas janelas estão abertas. São assimétricas. As da esquina são maiores e as do canto menores. Não sei como é a divisão interna, talvez um apartamento seja maior do que o outro. De uma delas sai um fio que vai até o telhado onde habita uma prosaica antena de televisão.
Pergunto-me: quem mora lá? Seriam famílias? Uma senhora idosa que teria até dificuldades para subir as escadas? Um casal recém-casado, vindo do interior? O proprietário do imóvel também estaria ainda vivendo na sua construção? Jovens universitários?
As paredes são chapiscadas e apresentam relevos de um tijolo, ou algo parecido. Não há varandas, não existiam há quarenta ou mais anos atrás, aqui na nossa cidade. No primeiro andar todas contém grades. Elas impedem que as pessoas saiam de lá ou que outras entrem? Grandes condomínios são prisões de fantasias dos ricos. Funcionam assim também.
Somente uma carrega plantas na janela. As grades são inclinadas, outras retas, todas de ferro. Apesar de terem tamanhos diversos, o desenho das janelas é o mesmo. Vidro aberto ou fechado, permite ver cortinas de variados estilos. A maioria é sanfonada, parece que de plástico. Uma é roxa, outra creme. As demais brancas, de um amarelado que só o tempo consegue tingir. Uma música bonita ecoa lá de dentro. No segundo andar.
O edifício tem vida. Uma janela ao longe dá a impressão de que está bloqueada, coberta por tapumes. Mas noto que são frisos verticais, praticamente da mesma cor da parede, que é bege. O contorno dos pilotis está pintado de vermelho tijolo, bem chamativo e original. Jamais a mesmice do amarelo-ovo-jardins com SUV na porta e férias em Miami.
O silêncio dominical se impõe com a força que de dentro desse lugar emana. Como se estivesse acima do bem e do mal. Como se os modismos nada o abalassem e permanecesse sempre com a grade com desenho de estrela no encontrar dos ferros de décadas ali fincados.
Será que o morador da esquina habita as janelas de cada lado, tendo assim o privilégio de duas visões diversas da mesma manhã? O barulho dos carros, durante o dia, compensa a quietude da noite e dos fins-de-semana fantasmagóricos? Conseguiria alguém ali morando, não utilizar carro e se deslocar somente por perto, já que o centro tem tudo? Não vislumbro garagens…
Um cheiro gostoso vem do terceiro andar. Andorinhas dão rasantes por perto. Acho que vai chover. O último andar não é afetado pelo emaranhado de fios que contorna o local. Entretanto não sofre com a existência de vazamentos de piscinas ou outras desvantagens de morar numa cobertura. Essa invenção também é recente. O chato é a ausência de árvores à sua frente, afastando assim os pássaros matinais. Talvez por conta do comércio embaixo, os grandes exemplares do centro se foram.
São mil perguntas que minha imaginação faz para essa imagem que vejo praticamente todos os dias. Se felizes são as pessoas que ali moram, e quem são e o que veem. O que escrevo são somente inferências. Contudo, pela diversidade das janelas que abertas ou fechadas que me deparo, tenho certeza que não levam a vida pasteurizada e sem criatividade, que é vendida na maioria das casas e apartamentos que por ali os rodeiam.
JB Alencastro é médico e escritor)