Pressão sobre o Supremo para rever prisão após segunda instância
Diário da Manhã
Publicado em 16 de março de 2018 às 23:04 | Atualizado há 7 anos
A decisão do Supremo de autorizar o cumprimento da pena após a confirmação da pena em segunda instância parece que é a bola da vez. Devido à apertada votação (6×5), há dentro do próprio STF vozes que se levantam nesse sentido. Como se recorda, no dia 05 de outubro de 2016, por maioria, o Plenário entendeu que o artigo 283 do Código de Processo Penal não impede o início da execução da pena após condenação em segunda instância e indeferiu liminares pleiteadas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44.
O julgamento do HC 126.292, em fevereiro daquele ano, no qual o STF entendera possível a execução provisória da pena, gerou grande controvérsia jurisprudencial acerca do princípio constitucional da presunção de inocência, porque, mesmo sem força vinculante, tribunais de todo o país “passaram a adotar idêntico posicionamento, produzindo uma série de decisões que, deliberadamente, ignoram o disposto no artigo 283 do CPP”.
O caso começou a ser analisado pelo Plenário em 1º de setembro, quando o relator das duas ações, ministro Marco Aurélio, votou no sentido da constitucionalidade do artigo 283, concedendo a cautelar pleiteada. Contudo, com a retomada do julgamento na sessão de 5/10/2016, prevaleceu o entendimento de que a norma não veda o início do cumprimento da pena após esgotadas as instâncias ordinárias.
Na verdade, comungando com o entendimento da Abracrim-GO, inclusive do seu presidente, Alex Neder, entendo que, apesar de o cumprimento da pena após a confirmação da sentença em segunda instância apenas atende ao apelo popular de combate à impunidade, o STF colocou o Judiciário na posição de legislador, confrontando com um acórdão a letra da Magna Carta.
Um grupo de criminalistas articula um movimento para convencer a Ordem dos Advogados do Brasil a pedir formalmente à presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, que reabra o debate sobre prisões em segunda instância. O grupo, que inclui defensores de vários investigados pela Lava Jato, quer dar caráter institucional à iniciativa para tentar desvinculá-la do caso do ex-presidente Lula, que corre contra o relógio para se livrar da cadeia. O presidente da OAB, Carlos Lamachia, resiste ao movimento. A entidade é patrocinadora de uma das ações sobre o assunto que estão à espera de julgamento no plenário da corte.
Quem procurou o presidente da OAB para falar sobre a iniciativa teve a impressão de que ele não quer encampar a bandeira por falta de apelo popular. Advogados decidiram pedir uma audiência com Cármen Lúcia, mesmo sem ele.
Na avaliação de um ministro do STF, as pressões que Cármen sofre para pautar a discussão no plenário tendem a recrudescer depois que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região marcar o julgamento dos últimos recursos de Lula, o que deve ocorrer no fim do mês.
Também torna a situação de Cármen incômoda o número crescente de HCs à espera de uma solução para o impasse, pois há quase 5 mil a serem pautados, e a inclusão de um HC de Lula traria a impressão de que iria haver um privilegiamento, “furando a fila”. Há duas semanas, a Segunda Turma enviou dois pedidos ao plenário em vez de julgá-los.
Pelo que se vê, parece que se trama no Supremo uma manobra pró-Lula, armando-se nos seus subterrâneos um jeito de evitar que o ex-presidente chegue ao xadrez, Apesar de a ministra Cármen Lúcia bater pé em não querer “apequenar” a Corte com a revisão da regra que permite a prisão após a decisão de segunda instância.
Mas alguns ministros discutem a hipótese de levar a plenário, por conta própria, um HC qualquer que abra uma brecha para voltar a deliberar sobre o assunto, ainda que não relacionado ao caso de Lula, que seria beneficiado “por tabela”, pelo princípio da extensão do benefício. E todo mundo sabe que há na Corte quem queira livrá-lo das grades, ainda mais que se sabe que sete dos onze ministros chegaram ali pela caneta petista.
Segundo o blog do último dia 7 de março em curso do abalizado comentarista político Gerson Camarotti, colegas da ministra Cármen Lúcia já percebem desconforto da presidente da Corte para colocar na pauta de julgamentos a ação que discute a constitucionalidade da prisão a partir da condenação em segunda instância. A pressão maior é de integrantes do PT que tem percorrido gabinetes do STF em busca de conversas com ministros para colocar o tema na pauta. Isso porque, na avalição do núcleo petista, é mais seguro votar um caso genérico do que colocar na pauta um recurso específíco do ex-presidente Lula, depois que, na véspera teve um HC preventivo negado por unanimidade pelo STJ. Na avaliação do PT, a única chance de Lula escapar da prisão é obter uma decisão sobre caso idêntico do STF para esperar a extensão do benefício a Lula.
Diz Camarotti que “Na semana passada, a própria Cármen Lúcia foi surpreendida com a presença de parlamentares do PT – inclusive Gleisi Hoffmann, presidente do partido – que foram ao seu gabinete a pedido do ministro Ricardo Lewandowski, que, em ligação para o blogueiro global, negou. Vários outros petistas foram vistos nos corredores do Supremo apresentando pedido semelhante. Entre eles Jaques Wagner, Gilberto Carvalho, José Eduardo Cardozo e Sigmaringa Seixas. “Nunca o Supremo foi tão pressionado; nem durante o período do mensalão”, desabafou ao blog um integrante do Supremo.
Com a decisão do STJ, o PT joga todas as fichas no Supremo para evitar a prisão de Lula e reverter o entendimento de que condenados a partir da segunda instância já podem cumprir a pena de prisão”.
O Globo, em editorial do último dia 8, diz que os ministros do STF que votarem para soltar Lula serão cúmplices da corrupção.
Lá se lê: “Para reforçar de forma decisiva o arsenal anticorrupção que instituições do Estado construíram nos últimos anos, o julgamento, no Supremo, em 2016, de um ‘habeas corpus’, restabeleceu o correto entendimento, seguido até 2009, de que sentenças confirmadas em segunda instância podem começar a ser cumpridas, sem prejuízo dos recursos e do princípio constitucional da presunção da inocência. Nada a estranhar, porque é na primeira e segunda instâncias que se avaliam fatos e provas. Depois, apenas questões legais, não havendo reexame da matéria”.
E prossegue o editorial: “A condenação de Lula é uma oportunidade que grupos incomodados com a eficácia do Ministério Público e do Judiciário no combate à corrupção têm para, no Supremo, tentar rever a jurisprudência da segunda instância. Há grande pressão para que a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, paute a questão, o que não deseja fazer. Como ela mesma diz, porque “apequenará” o Supremo. Sem dúvida. Mas o assunto deverá chegar ao STF, nem que seja por meio de um pedido de soltura de Lula (habeas corpus)”.
E arremata: “Se assim for, cada um dos 11 ministros não dará apenas um voto nesse julgamento, mas, na verdade, marcará sua posição contra ou a favor do mais sério enfrentamento da corrupção que o Estado brasileiro fez na República”.
Sabe-se que logo, após a derrota no STJ, a senadora Gleisi Hoffmann foi ao Supremo para tentar falar com a ministra presidente, que não a recebeu, apesar do pedido do ministro Lewandowski, mas foi recebida pelo ministro Dias Toffoli, que estaria – pelos seus notórios liames com o PT – arquitetando um plano de postergar por pelo menos seis meses a prisão do ex-presidente pelo STJ, através de embargos de declaração contra embargos de declaração de embargos de declaração, indefinidamente, para que não haja o trânsito em julgado.
Isto parece estar sendo convenientemente costurado: até desatar o enrosco no STJ já lá deverão ir seis meses ou mais, e não se deve esquecer de que daqui a exatos seis meses Toffoli assume o lugar de Cármen Lúcia como presidente do Supremo, e daí é esperar apenas um dia em que ele esteja de plantão para aparecer uma esperada liminar, cujo mérito desde já fica marcada para ser julgado nas calendas gregas, pois, como presidente, fica ao seu inteiro alvedrio pautar o referido HC.
E todos sabem que, legalmente, enquanto não deslindado o caso, Lula é perfeitamente elegível.
Não sou (ainda) político, e nada tenho contra o cidadão Luiz Inácio Lua da Silva, mas, se isto ocorrer, fica incontestavelmente provado que não temos um Judiciário para julgar, mas para acomodar situações políticas, não é mesmo, Ministro Gilmar Mendes?
E tudo volta ao “status quo ante”, inclusive com a tentativa de enterrar a Lava Jato.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa – AGI e da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas – Abracrim, escritor, jurista, historiador e advogado – liberatopo[email protected])