Problemas psiquiátricos na cirurgia bariátrica: redução de peso
Diário da Manhã
Publicado em 10 de fevereiro de 2018 às 23:38 | Atualizado há 7 anos
A motivação para este texto é variada.
1) Em primeiro lugar , causa muita estranheza o Conselho Federal de Medicina soltar uma resolução para “cirurgia metabólica” (tratamento de diabetes) na qual exclui a necessidade de um psiquiatra. Exige apenas psicólogos.
2) Então, essa primeira motivação é a de perplexidade. Mas minha outra motivação é a de indignação mesmo. Vamos aos fatos : no momento em que escrevo este artigo, o hospital psiquiátrico onde trabalho está às voltas com nada menos do que 13 pacientes com complicações psiquiátricas das cirurgias bariátricas/metabólicas. É um problema seríssimo – vou explicar abaixo -, cada vez mais comum, que dá um enorme trabalho para o psiquiatra, enorme estresse hospitalar (pois há risco inclusive de vida), e é muito ruim ver assim o desprestígio de nosso trabalho sendo protagonizado nada mais nada menos pela Entidade Médica mais importante que existe.
3) As complicações psiquiátricas dos transtornos alimentares causadores de diabetes e obesidade são enormes. Por exemplo, grande parte dos pacientes padecem de : bulimia nervosa, binge eating, condutas purgativas/restritivas, bipolaridade, depressão, hiperatividade, alcoolismo/toxicomanias, impulsividades, tentativas de suicídio, personalidade borderline, etc, etc.
4) As cirurgias bariátricas/metabólicas causam vários transtornos absortivos que complicam extremamente o trabalho psiquiátrico. Por exemplo, muitos pacientes bulímicos (descontrolados em alimentação, com impulsividade, condutas purgativas), simplesmente privados mecanicamente da possibilidade de comer muito (para aplacar sua angústia através do efeito “sedativo” da plenitude pós-prandial e dos neuropeptídeos) passam sumariamente para o alcoolismo ou para a toxicomania….
5) As cirurgias bariátricas/metabólicas transtornam o balanço neuropeptídeo digestivo normal, levando, por este único motivo, a piora ou emergência de quadros psiquiátricos. Neuropeptídeos são substâncias que tem efeito central, têm ação psicoativa no sistema nervoso central, e são liberadas durante o processo digestivo/saciedade/fome normal. Esta “bagunça” neuropeptídica-digestiva repercute em sintomas psiquiátricos, as vezes de difícil classificação/diagnóstico/tratamento.
6) As cirurgias metabólicas/digestivas alteram a absorção de alimentos, podendo gerar emergência/piora de sintomas psiquiátricos. Por exemplo, diminuição de B12 podem gerar quadros cognitivos/depressivos, diminuições de niacina, tiamina, piridoxina, etc, igualmente.
7) Problemas disabsortivos da digestão podem “bagunçar” muito o uso de medicações psiquiátricas imprescindíveis para o controle das doenças psiquiátricas que estes pacientes já tinham antes das cirurgias (e que não foram corretamente diagnosticados por psiquiatras) e que foram piorados depois da cirurgia.
8) Por exemplo, há medicações que precisam de uma absorção estomacal/duodenal (p.ex., carbonato de lítio) e que são enormemente prejudicadas por algumas cirurgias. Outras medicações, de absorção mais intestinal, p.ex., valproato, são igualmente prejudicadas por outros tipos de cirurgia.
9) Deste modo, muitas vezes, quando as cirurgias não são bem planejadas, do ponto de vista psiquiátrico, o médico psiquiatra, depois da cirurgia, fica nas mãos com casos graves, para os quais, inclusive, não tem nem como dar medicações vitais, pois não são corretamente absorvidas/metabolizadas pelo organismo.
10) As ansiedades não-diagnosticadas, não-tratadas, por parte destes pacientes, muitas vezes, redundam na assunção de outros comportamentos compulsivos/impulsivos de risco, p.ex., alcoolismo, drogas, sexualidade desvairada, comportamentos suicidas ordálicos, vigorexias, ortorexias, compras compulsivas, jogo patológico, etc.
11) Isso sem contar a gama enorme de pacientes cuja obesidade/diabetes não necessitaria de cirurgia se tivessem recebido um diagnóstico/tratamento psiquiátrico correto em tempo hábil.
12) Para “tratamento correto”, em psiquiatria, incluo a psicoterapia feita pelo médico psiquiatra bem-formado, pois os transtornos alimentares não se resolvem simplesmente com “medicação psiquiátrica”, por mais bem indicadas possam ser.
13) Bom, para não transformar isso aqui em um “jornal”, ou um “livro”, acho que ficou bem clara a necessidade imprescindível do psiquiatra numa equipe de cirurgia metabólica, coisa infelizmente desprezada por quem deveria prezar pela boa prática médica em território nacional.
(Marcelo Caixeta é médico, especialista em psiquiatria pela Universidade de Paris XI (Bicêtre))