Que tiro foi esse?
Redação DM
Publicado em 25 de janeiro de 2018 às 00:15 | Atualizado há 7 anos
A natureza humana, bruta e atroz, nascida nas agruras da selvageria, há tempos acostumada a lutar pela sobrevivência, hoje se esbalda na comodidade do cotidiano, seguindo o fluxo dos seus pares, andando tal e qual gado em trilheiro. A sociedade monta um comportamento padronizado que se transforma em costume, sendo aos poucos obediente às próprias normas. Claro que desertores há em qualquer sistema, rompendo limites e transgredindo normas.
Afinal, quem de nós seria modelo o suficiente para se julgar soberano e julgar as condutas dos demais? Julgamentos são inconvenientes por sermos seres imperfeitos por natureza, e errantes por eficácia.
Muitos de nós buscam a arte para suprir essa demanda finita da carne. Tudo o que nasce aqui na terra já estreia em contagem regressiva, uma ampulheta que esvazia sua areia temporal até o esgotamento da morte, o fim de tudo por aqui. Talvez uma tentativa de deixar registrada a sua marca, e tentar cumprir a sua meta, sua missão de vida.
Por isso que a arte ameniza e por vezes conforta esses anseios, justamente por extravasar a comunicação e se encontrar com a admiração do belo; ela educa e modifica o homem, deixando-o menos bruto, pelo encontro com a sensibilidade, equiparando-o ao plano natural de mistérios, belezas e dádivas da vida e do tempo.
Muitas vezes a fuga da realidade é a porta de entrada para outro mundo encantado: o mundo da arte. Uma escapulida e também um encontro do novo mundo, o despertar da essência e o verdadeiro conhecimento de si mesmo, como indivíduo e o seu papel na sociedade. A matéria se vai, mas as obras ficam. O bom filme de um cineasta, uma música magnífica de um compositor musicista, um quadro que deixa muita gente boquiaberta de um artista plástico, os moldes e contornos de um escultor, o tricô manual bem-feito, o primor de uma dança, teatro, o ato incrível de um mágico, a comédia de um palhaço, um entalhe complicado na madeira, um bom livro do escritor.
Você deve ter se perguntado “e esse título? Conheço essa música! Está tocando por aí! Virou meme de celular!”. Ela é fruto dessa mesma cultura de massa, oriunda de um movimento artístico marginal, nas quebradas do funk brasileiro, nem sempre oriunda da favela. A cantora também levanta a bandeira da LGBT, que também teve recentemente levantado um outro ídolo: Pablo, já estampado em latas e garrafas de refrigerante.
Óbvio que, quanto mais se estuda música (meios acadêmicos etc), quanto mais se apura a sensibilidade, menos se legitima esse estilo de gosto dubitável. Ícones de sucesso extremamente populares, como Anitta, por exemplo, jamais terão reconhecimento por conteúdo nesse quesito. Porém, pomposo sucesso aplaudido.
É a nova geração que lidera a audiência. Frases vazias de significado, chulas, com conotações sexuais excedendo a libido, que anteriormente era tolhida na geração anterior. “Que tiro foi esse viado? Que tá um arraso!”
Se o gosto popular troca a massa cinzenta pela carne siliconada das nádegas (ou dos seios); o fruto: de um lado o pensamento, de outro o excremento!
Não podemos de modo algum maldizer essas representações culturais. Todo gosto é pessoal… Quem não goste que mude a sintonia. Há quem diga ser difícil sobressair um país que se preste ao verdadeiro bem-estar de sua população, quando a preocupação maior é o gesto fálico da sensualidade ao escracho, onde ninguém debate o que realmente importa.
Eu prefiro escutar a música que está tocando agora na rua (ela tem um sentido e um propósito!), que se repete nos finais de tarde… “Óia pamonhaaa! Pamonha de sal, pamonha de doce, pamonha apimentada. Todas elas com queijo. Aqui no carro de som!” Mas se você gosta, tudo bem! “Que tiro foi esse, viado?” Parabéns! #Paz. Até a próxima página!
(Leonardo Teixeira – escritor[email protected])