Rachas, rixas e o lado satírico da história política – final
Diário da Manhã
Publicado em 23 de janeiro de 2018 às 22:00 | Atualizado há 7 anos
De 1951 à 1953, foi prefeito Silvestre da Costa Lima, mais conhecido como “Nego Costa” ou “Seu Nego”, certamente o maior humorista da cidade, homem curioso, defensor intransigente do PSD e PMDB, teve como adversário, Joaquim Teodoro Martins, fortíssimo candidato pela UDN, que “ganhou mas não levou”, terminando por ser vítima das intrigas partidárias. Pois bem, esse “coronel” Nego Costa, que fazia todos os inventários da família, figura respeitada na região, fez parte de uma linhagem procedente de Jataí, ligada aos Costa Lima, Carvalho, Franco, Vilela etc. Como exímio humorista, conseguiu escapar da “indesejada das gentes” ou Dita Cuja, sem perder a chefia da família e do partido, falecendo com mais de 90 anos.
A ala-moça da UDN era liderada por Zezé Barros, primeira mulher a ser vereadora, Eliete, Terezinha Marimbondo, Ana Costa, Ângela do Carlos, Noêmia do foro, Nhozinho da Noêmia, Oldon do Cartório, Claurídio do Olegário, Tião da farmácia, o de Nana, Irani e Loura do Duda, este sim, um dos mais valentes udenistas de Mineiros, pupilo do coronel Manoel Francisco Vilela que, auxiliados por Chico Anta e o catireiro Marcelino Roque, escreveram versos que o povo musicou e cantou na cidade pirraçando a ala do PSD, quando se uniu ao PTB. Em constantes bate-bocas com a área mais exaltada daquele partido:
“Esse tal de PSD, na rabeira já ficou,
Esse tal de PTB… Na poeira já rolou.”
Ao que o grupo de Nego Costa não se dava por vencido e defendia seu candidato em ritmo alegre de carnaval:
“Silvestre Costa Lima, é o homem da vitória.
Foi escolhido candidato, pra prefeito ele é de fato, ele tem que ser eleito”.
“Eleitores, defenda o seu direito,
Votai em Nego Costa para prefeito” (bis).
Curiosamente, Nego Costa deixou o cargo sem terminar o mandato, gerando o primeiro caso de renúncia na história política de Mineiros. Consta que ao deixar a Prefeitura, o teria feito como zelo moral do próprio nome, já que fora obrigado a dispor de importância do próprio bolso tendo como causa o desacerto de alguns dos seus assessores, causando renúncia inesperada. Em que pese, nunca perdeu sua aguçada veia artística de bom humorista. Todo inspirado, ao aceitar convite de Pedro Ludovico para assistir sua posse em Goiânia, por lá, calçado em suas botinas bico fino, indefectíveis, dizem que andou caindo umas três vezes num salão de piso encerado – vermelhão, e no final, na terceira, com visível bom humor, sugeriu ao chefe, próximo: “o jeito é a gente conversar mesmo deitado”. Para substituí-lo, veio o coronel Antônio Getúlio da Silva, apelido Tonico Corredeira, então Presidente da Câmara, turrão, briguento defensor de Pedro Ludovico. Por esse tempo, Tonico foi beneficiado com um Decreto-Lei de Getúlio Vargas, transformando-o em abusado “Doutor Dentista”, decerto um dos últimos a virar doutor por decreto no Brasil, profissão que exerceu com galhardia por longo período, chegando a deixar discípulos que, como Tonico, aliviaram muitas dores de dente por aqui.
Na segunda gestão do coronel Manoel Francisco Vilela como prefeito interventor do município nos finais da década de 1930, houve um fato pitoresco, digno de nota, certamente construtor da história do deboche e da sátira. Nessa gestão Manoel Francisco foi convidado por um padre, não sei se padre Rosa, muito alegre, para inaugurar a bonita Capela de Santa Isabel, na Moita Redonda, ora Bairro Santa Isabel, onde, muito inspirado, proferiu um lacônico discurso que ficou famoso, ao dizer no meio do povo: “A Igreja tá pronta, o diabo é conseguir o santo”. (Faltava as imagens). Sobretudo a partir desse discurso, Manoel Francisco foi transformado numa espécie de refém das mais estranhas piadas, do sabor popular, ainda sendo comum o povo dizer, até criança:
“Um a e um risco, quem manda é o Mané Francisco”.
Ou nesta variante, da ala política pessedista do Tonico Corredeira:
“Um risco, um cisco e um trisco, manda no Mané Francisco”.
Zé Catucá, baiano repentista, refestelo, berrava em estribilho:
“Um ‘A’ e um risco, Mané Francisco”.
Se o povo ria, com uma ligeira pausa, retrucava:
“Um risco e um ‘A’, Zé Catucá”.
Vivia-se a época dos bacharéis da UDN, raposas do PSD e pelegos do PTB. Fazendo uso da música carnavalesca “Cabeça-Inchada”, a ala-moça “pessedista”, zombando da UDN, cantava pela rua, nos dias ‘de baile e comício:
“Sou psd-ista UDN, de coração, UDN,
Ninguém me vira, UDN, não, não, não…”
Quando muito no dia seguinte, a ala udenista, com enorme euforia, replicava:
“Com a UDN não há que possa.
Cuidado PSD que a vitória já é nossa”. (bis)
Em 1954, com a eleição de José Feliciano de Moraes, pela UDN, tendo contra si, Ismael Alves de Brito pelo PTB e Valfredo Ivo Irineu, apelido Vavá, da ala mais radical do PSD, as brigas entre partidos, de tão bestas e broncas, por vezes chegavam às vias de fato, se não bastasse a desmoralização e o deboche nas ruas e bailes de rancho-alegre, animados pelas alas-moças partidárias, como as da UDN, cantando a Chalana de Almir Sater, na voz melodiosa de Irani do Duda, digna de nota:
Deixa o Vavá em paz onde está.
Ele pede voto mas não sai do seu lugar.
Ele agora está com animação, vai por sapato branco
E vir pro nosso barracão.
Valfredo de Oliveira, a cigana te enganou,
Pela primeira vez, que entrou na eleição,
Ganhou um grande chute que ficou de pé no chão.
Veja só a diferença que tem, ganhamos do Ismael e de você também.
Vai Vavá, bem longe se vai, embarcar no remanso do Rio Paraguai,
O Vavá vai sem querer, tudo aumenta sua dor,
Nessas águas tão serenas, vai levando os vereador.
Bem assim ele se foi, de ninguém se despediu,
O Vavá vai sumindo, lá na curva do Rio,
Se ele vai maguado eu bem sei que tem razão,
Oh, ingrato udenista, num votaram nele não”.
Em 1958, Cesar da Cunha Bastos, bravo político rio-verdense, saiu candidato a governador pela UDN-PSP-PTB, representando a oposição, tendo como candidato contrário, pelo velho PSD, José Feliciano Ferreira, filho de Jataí, cidade campeã do pessedismo no Brasil, onde Toniquinho JK”, de forma inesperada, em um comício, pediu a Juscelino que mudasse a Capital Federal do Rio de Janeiro para Brasília, no que foi atendido, transformando uma antiga lenda religiosa num fato histórico indelével, certamente o mais importante na história e biografia política de JK e Toniquinho, postulando como candidato único a vice-governador pelo PSD João de Abreu. Embora Cesar Bastos tivesse a maioria dos votos da UDN no Sudoeste, com realce em Mineiros, segundo o historiador Filadelfo Borges, Feliciano ganhou a eleição, inclusive em Rio Verde. Sílvia Mota, da ala-moça udenista de Mineiros, irmã do músico Neguinho Mota, do grupo musical The Glads, refutou, lembrando a ocasião com a estrofe:
“A lua lá no céu é cor de prata, Cesar Bastos é candidato,
Tem a mesma cor também.
Ele é contra o PSD, a UDN também tem a cor da lua,
A vitória já é sua”.
Em 1959, prefeito José de Rezende Alvim, casado com neta do Coronel Carrijo, logo que assumiu cargo, o refrão na rua, denotando posse no poder, era de que:
“Um J e um pinguim…
Quem manda é o Zé Alvim”.
Um pouco antes de 1959, quando a UDN e o PSD estavam em voga, na disputadíssima eleição estadual entre Juca Ludovico e Galeno Paranhos, deixando sangue de um crime bárbaro em Mineiros, o Jó matando o pai de Juracy Martins, Joaquim Teodoro Martins, entre as duas alas o entusiasmo parecia igual, destacando-se um pouco mais a UDN em suas festas, contagiadas de alegria. Ambas tinham seus locutores de rua, da UDN, Antônio Carlos Paniago, a bem dizer menino, e do PSD os filhos do Agrício.
Entusiasmado era o Antônio Carlos, nos seus primeiros passos na vida política. Vejam: num geep velho, mais vezes sem capota, enguiçando de esquina em esquina o motor e o microfone, convidava o povo para todos os acontecimentos de sua ala partidária, especialmente os animadíssimos comícios, os bailes de rancho-alegre e os cordões de pucha-saco. As alas moças, num entusiasmo medonho, socorrendo-se de músicas carnavalescas, saiam em caminhões fantasiados, trafegando de rua em rua, soltando foguetes, palavrões e zombarias nas casas dos adversários, cantando o que viesse na lembrança:
“O Juca vai rolar, PSD destra vez não vai mandar,
Eu passo a mão na minha cédula… E no Galeno eu vou votar…
Deixa o Juca rolar… se a polícia por isso me prender,
E na última hora me soltar… eu corro, corro, corro…
Até as urnas… e no Galeno eu vou votar…
Deixa o Juca rolar… O Juca vai rolar… (bis)
PSD desta vez não vai mandar,
Eu passo a mão na minha cédula,
E no Galeno eu vou votar.
Deixa o Juca rolar.”
Quando José de Assis conseguiu ser duas vezes deputado estadual e postulou uma cadeira na Câmara Federal, tendo como respaldo político todo o remanescente da ex-UDN, como político que mais trabalhou pela causa mineirense, foi notado pelo personagem do folclore político regional, o poeta popular Orlandino Ribeiro de Menezes, através dos seguintes versos, do seu merecimento:
“Mineiros tu és grata a seu filho José de Assis,
Deputado estadual a quem o povo pede bis,
Expresso minha simpatia, nestes versos que eu fiz.
Eu sendo um simples eleitor, um poeta ignorado
Em face do que tenho visto estarei sempre ao teu lado,
Por ser autêntico e dinâmico por seus serviços prestados.
Ao bem da coletividade este herói tem trabalhado
Mineiros que deve tudo a este grande deputado
Porque tudo o que é nosso, anos está reservado”.
(Martiniano J. Silva, advogado, escritor, membro do Movimento Negro Unificado – MNU, Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHGG, mestre em História Social pela UFG, professor universitário. – martinianojsilva@yahoo.com.br)