Opinião

Redemoinho, o filho do vento

Diário da Manhã

Publicado em 7 de junho de 2017 às 02:14 | Atualizado há 8 anos

Zé Bigorna andava meio triste lá pelas bandas da Vila Tamanduá quando certo dia um redemoinho passou pela rua poenta tangendo folhas secas, papéis, sacolas plásticas e toda a sujeira local. Zé nasceu na cidade de Cabribó no sertão da Paraíba e há tempos vinha tentando esquecer-se das terras secas nordestinas e morar de vez nas produtivas regiões do sudoeste goiano, onde sobrevivia plantando soja e milho. Ia até bem na vida, mas um dia tudo se foi por “água a baixo”, pois começou a dever pra muita gente e se enroscar com a justiça local, e o jeito foi fugir da Vila Tamanduá da próspera cidade de Mandruvá. Passou a viver de roça em roça, de cidade em cidade, mas certo dia quando vagava pelo centro da cidade de Mamoeiro, sem as suas inseparáveis peças, o famoso alforje que carregava sobre os ombros e uma algibeira, todos vazios, e ao seu lado, o cão Peralta e mais nada. Diante de um redemoinho que surgiu do nada, sentiu-se como se fosse uma simples folha papel. E sufocado por uma densa poeira, sentiu o seu corpo rodopiar-se e junto com o de Peralta e outros incontáveis pedacinhos de papel. Tentou escapulir, mas de nada adiantou. Sucumbiu-se à força daquele vento e ao próprio desalento. Junto às sobras dos papéis recortados e sacolas voadoras levadas aos céus, Zé Bigorna se transformou apenas em mais que uma obra efêmera da natureza. Tão efêmero como aquele vento circulante que formava um redemoinho.

Nem bem longe dali vivia um tipo estranho, jeito de quem dominava a natureza, caminhava em direção à rua poeirenta. Era matuto como Zé Bigorna, como aquelas pessoas que descambam para a cidade e para sobreviver faz de tudo um pouco. Estabelecera na cidade exercendo uma função também estranha e só se firmava quando os ventos eram bons e fortes, pois como dizia o povo: o danado era criador dos redemoinhos e chamado “filho do vento”. Com sua força sobrenatural viu a aristocracia, vestiu a fantasia e tornou-se um ser surreal naquela região, principalmente quando os ventos mudavam de rumo, pois ao invés continuar girando sobre si aquele ser estranho tornou-se um encantador em ruas e campos poeirentos. Diziam que lutou muito para escapulir do feitiço, mas não conseguiu safar-se e nem mudar a direção do vento, pois mesmo sendo feiticeiro, começou a entender que a vida destoa, voa, assim como ele, Redemoinho, o filho do vento.

E por falar em redemoinho, não tão diferentemente do filho do vento, ele surge quando há aquecimento em determinado ponto, transferindo-se esse calor à porção de ar que está parada logo acima dele, e, quando atinge uma determinada temperatura, esse ar sofre rápida elevação, subindo em espiral e cria um mini centro de baixa pressão, ganhando velocidade e acaba levantando a poeira do solo, fazendo com que um funil de “sujeira” se torne visível. Pois bem, o estranho de nome Redemoinho parecia conhecer de tudo isso e dizia as más línguas que ele era realmente o filho do vento. Era do conhecimento da população que a sua grande euforia era quando surgia o vento que

vinha do sul, seja para fazer o bem, ou para o mal. Todos tinham certeza de que o vento sul era o seu pai e que, com sua força descomunal, levantava poeira, sacudia mares, brincava com os oceanos e fazia surgir grandes ondas todas em redemoinho tudo como forma de homenagear o filho.

Ouvindo essa história ou estória sei lá, como escritor e poeta, passei entender o fascínio que tenho pelo vento, até mesmo quando ele abate os galhos das árvores e faz planar as folhas secas caídas no chão. Sempre que o vejo soprando, seja forte, manso, ou em redemoinho, me vem o desejo de parar num campo aberto e arremessar o meu chapéu para o alto só para sentir qual direção ele tomaria, mas sempre esperançoso de que o sopro do vento me levasse junto e me deixasse num lugar qualquer, e que a distância não apagasse a minha existência No fundo entendia que não era necessário compreender quando o vento sopra em nossa direção, mas saber que a razão é capaz de compreender o sucedido, pois as feridas no coração com o passar dos tempos já estão extremamente profundas. No entanto, para mim não me importava qual direção ou distância o vento nos levaria, só sabia que eu iria junto com meu chapéu. Sem volta.

 

(Vanderlan Domingos de Souza. Advogado, escritor, missionário e ambientalista. É membro da União Brasileira dos Escritores; Membro da Academia Morrinhense de Letras; Membro da ALCAI – Academia de Letras, Ciência e Artes de Inhumas; membro da CONBLA – Confederação Brasileira de Letras de Artes de São Paulo; Conselheiro da Comissão Goiana de Folclore.)


Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

Impresso do dia

últimas
notícias