Reflexões sobre a Independência
Redação DM
Publicado em 22 de setembro de 2018 às 04:24 | Atualizado há 7 anos
Ainda ecoam os clarins das alvoradas festivas da Independência, celebração máxima da nacionalidade. Com justo voltamos a reverenciar a Pátria e dar vazão ao sentimento cívico-popular que transpassa o peito de cada brasileiro quando se evoca o feito histórico que, há 196 anos, deu causa ao rompimento político com a Coroa portuguesa.
Assinalada por forte simbolismo, a grande festa nacional não nos inspira apenas uma reflexão voltada ao passado e uma aura de respeito aos exemplos de idealismo e sacrifícios de quantos brasileiros valorosos se entregaram às causas da Independência.
Sobremaneira a celebração desse magno episódio da nossa história política serve de motivação e reflexão diante das crises sociais e das turbulências econômicas que estão a inquietar novamente o país quando uma miríade de candidatos se engalfinha com sua verborragia falaciosa e inconseqüente, atiçando ódios e insultos, de lado a lado, para cortejar e iludir o povo em meio à presente campanha eleitoral agora em plena efervescência.
Diante da instabilidade que se formou pelo receio e desconfiança em programas e plataformas eleitoreiras de certos candidatos arrivistas e sectários, com o dólar em disparada e a fuga de capitais, vê-se despertado o fantasma oportunista da inflação, que já eleva preços, incita especulações, avilta salários, afugenta investimentos e retarda reformas sociais, justas e necessárias, sim, dentro da lei e da ordem, vigas de sustentação da democracia e dos direitos constitucionais e individuais.
Até aqui, os distantes 196 anos de separação dos nossos conquistadores lusos não foram suficientes para propiciar, no presente, a plena Independência do Brasil, além de sua mera emancipação política.
Perante a História, o Brasil monárquico viveu notável prestígio mundial e apogeu econômico, granjeados pela visão de estadista, descortino e cultura humanística do venerável e austero D. Pedro II. Agora, porém, o Brasil republicano assume sua periclitante maioridade, ora com avanços edificantes, ora com retrocessos nefastos, debatendo-se às cegas a procura de consolidar sua verdadeira identidade de nação que se preza vanguardista, multirracial e pluralista.
Em que pese o esforço de modernidade, a sociedade brasileira quer ainda livrar-se do modelo de gestão colonial das sesmarias e dos resquícios de autoritarismo e repressão do famigerado regime militar, eis que comprometida com a democracia e a liberdade, seus valores maiores.
Acima de tudo, o Brasil de hoje quer reafirmar suas crenças libertárias e repudia, de forma resoluta e corajosa, a conspiração dos que tentam impor, sediciosamente, um Estado-partido, onipresente e totalitário, sob o signo do jacobinismo retrógrado e do niilismo aniquilador.
Passados, pois, quase dois séculos de sua autodeterminação, no entanto, o Brasil não se libertou, repita-se, de vícios e amarras herdados da administração colonial, inspiradora dos formalismos e liturgias imprestáveis da burocracia que infesta, tal qual uma traça invisível, os poderes da República em todos os níveis. Tais práticas estatizantes, fatalmente, consomem as energias vitais do país e infernizam a vida dos contribuintes, carentes dos serviços públicos e da justiça, quase sempre tardos e ineficientes.
Com efeito, criam-se um emaranhado de leis, medidas provisórias, regulamentos, instruções normativas e quejandos, que redundam em intricadas e exorbitantes exigências e obstáculos a serem transpostos pela olímpica resistência dos usuários. Ou, então, às custas do mágico jeitinho à brasileira, produto dessa cultura libertina que abastarda a cidadania e desalenta o potencial empreendedor e criativo dos setores privados, somos forçados a enveredar pelos descaminhos da corrupção epidêmica, da concorrência fraudada e da sonegação escancarada, sorvedouros dos dinheiros públicos escamoteados da assistência a milhões de desvalidos que vegetam nos guetos da marginalidade.
Não basta, pois, comemorar nossa histórica emancipação política, mas também aspirar a reputação de povo civilizado e o mérito de perseverar na obra inacabada da Independência, a fim de livrar o Brasil da pecha de país terceiro-mundista que ainda convive com juros asfixiantes, impostos extorsivos, desvios de verbas públicas, assistencialismo, nepotismo e dívida externa impagável.
Na realidade, não ficamos livres sequer dos ministérios supérfluos, criados para dar sinecuras a companheiros rejeitados nas urnas; não ficamos livres das falcatruas, peculatos e outros delitos cometidos por políticos e dirigentes de estatais e seus parceiros, muitos, é verdade, já processados e presos pela redentora operação Lava-Jato; não ficamos livres do pauperismo das favelas, das palafitas, da mortalidade infantil, do flagelo da fome e da escuridão do analfabetismo, que durante sucessivos governos ceifam e afetam milhões de vidas úteis à família e à sociedade; não ficamos livres, desgraçadamente, do tráfico de drogas, do contrabando de armas, da hediondez de bandidos tresloucados que seqüestram, estupram e trucidam vítimas pacatas a qualquer hora e em qualquer lugar.
Como nunca antes, a invocação do 7 de Setembro implica o dever irrenunciável de promover a defesa da cidadania, da coisa pública e do interesse comum, além da prática diária dos valores éticos e das virtudes cívicas por parte das elites, políticos e governantes, conscientes de que o poder pelo poder é tirânico, ainda que transitório, e só a grandeza e a felicidade da Nação são imorredouras. Desde cedo, como disciplina educativa, é imperativo da consciência cívica promover o plasmamento da juventude para despertar-lhe o sentimento de apreço à Pátria, aos seus símbolos e tradições, de respeito às instituições, de fortalecimento da família e de obediência às leis.
Por isso é imprescindível repelir com toda firmeza a retórica falaz de líderes salvadores e carismáticos, eis que para abrir o caminho do futuro ao Brasil novo dependemos exclusivamente de cérebros, talentos, obstinação e ousadia, para vencer barreiras, debilidades e preconceitos, não somente para conquista do pódio olímpico, sempre tão desejado, mas para construção de nova ordem econômica, menos desigual e utópica, capaz de submeter-se aos imperativos de nossa época e de servir de instrumento de paz social e de desenvolvimento.
Oxalá se conservem a confiança e o otimismo nas gerações vindouras e nos novos governantes que em breve vão tomar as rédeas do destino deste generoso país, com o legado de lutas, provações e experiências de todos os brasileiros patriotas, fiadores do compromisso com o futuro do Brasil.
Acima de mesquinhos interesses partidários e de vãs controvérsias ideológicas, todos, oposicionistas e governistas, indistintamente, têm o dever inafastável de buscar a convivência pacifica e construtiva, de lado a lado, para celebrar a conciliação nacional e de lutar em prol da construção de uma nova estrutura social e humana de que tanto carecemos, capaz de proteger e dignificar o indivíduo, em defesa e aperfeiçoamento do Estado de Direito como valioso instrumento e meio para alcançar o seu bem-estar e suas maiores aspirações.
Confiemos, sobretudo, que a mais difícil das tarefas não seja a de escolher, no próximo dia 7 de outubro, um novo presidente da República -honesto, acima de tudo, democrata, competente e patriota, dotado de visão humanística, de esforço criador e ímpeto progressista, e capaz de concretizar os legítimos anseios do povo brasileiro-, mas a de antever que a solução dos conflitos de classes e a redução das desigualdades sociais podem estar mais perto do que imaginamos, para que não se frustrem os sonhos e esperanças que nasceram com a Independência.
(Wagner de Barros , advogado)