Opinião

Reynaldo Rocha, um jornalista da pesada

Diário da Manhã

Publicado em 24 de maio de 2017 às 02:38 | Atualizado há 8 anos

Posso dizer que nascemos juntos no Diário do Oeste, do jornalista Waldemar Gomes de Melo. Governava Goiás Mauro Borges Teixeira. Coronel do Exército, Mauro, filho de Pedro Ludovico Teixeira, fundador de Goiânia e interventor federal em Goiás durante a ditadura Vargas, Mauro implantara no Estado um governo planejado. Era algo inusitado até então numa unidade federativa brasileira. Mauro estivera inclusive em Israel e implantou uma nova experiência agrária. Uma cópia dos kibutz e moshaves na região de Alto Paraíso, no nordeste goiano. Era, portando, um governo inovador e que de, certa forma, contrariava o status quo do PSD, partido forte no Brasil e suporte de Getúlio no poder.

Por quê dou todo esse toque¿ O Diário do Oeste surgiu para dar uma sustentação direta ao governo Mauro Borges, considerado “nacionalista” e “progressista” para a época, onde os concorrentes mantinham uma linha mais conservadora. O DO, como era chamado, imprimia uma linha nos moldes da Última Hora, de Samuel Wainer. Chamadas com letras garrafais e fotos nas capas, mesmo que a matéria estivesse numa coluna na página interna. Basta lembrar que o Estado de São Paulo era sisudo, pesadão, matérias extensas e a primeira página se prendia a matérias internacionais. Seus concorrentes em Goiânia, como Folha de Goiaz e O Popular, eram conservadores no formato e na linha política.

Reynaldo Rocha foi figura de proa do DO na área política.

Com a movimentação política de 1964, Mauro Borges manteve a princípio uma posição adversa a Jango Goulart (PTB), mas respeitosa. Na visita de Broz Tito, presidente da Iugoslávia, que defendia algo fora do eixo Moscou x Washington (ou Estados Unidos e União Soviética) ao Brasil, ambos foram recebidos no Palácio das Esmeraldas, em Goiânia. Questões assim chocavam partidos como o PSD, de tendência mais conservadora.

Em Minas Gerais, por exemplo, o governador Magalhães Pinto apoiava o golpe de estado contra Goulart, que no poder ensaiava reformas de base com amplo apoio das esquerdas. Em São Paulo a sociedade promovia marchas cívicas com Deus e pela Liberdade.

Mauro ensaiou com o governador Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul, a manutenção da ordem. Foi inclusive formada a Cadeia da Legalidade, com a Rádio Brasil Central, de Goiânia, e Guaíba, de Porto Alegre.

Mas, com o decorrer da tempestade ideológica, os militares destituíram Jango e assumiram o poder. Castelo Branco, de linha mais moderada assumiu o poder e Mauro como seu antigo aluno, parecia contornar a situação.

Mas, a oposição liderada pela UDN-PSP mostrava inconformismo em Goiás. Entendia que Mauro Borges fora “oportunista”. O então deputado federal Emival Caiado, de tradicional família de Goiás e de linha conservadora,  investiu no Diário do Oeste.

Waldemar de Melo com a saída de Mauro Borges do poder, perdera a tesão, achou por bem entregar o jornal, que passara a ser dirigido então pelo jornalista Neiron Cruvinel. Houve uma revoada do contingente humano da redação para outros veículos.

Um grupo maior, convidado pelo jornalista Domiciano de Faria, transferiu-se para O Popular. Entre eles, Reynaldo Rocha, Hélio Rocha, Javier Godinho, Waldemar Faria, Rafael Moreira e eu.

Procuramos dar o máximo do nosso profissionalismo. Reynaldo foi correspondente do Jornal do Brasil, Jávier Godinho, de O Globo, eu da Folha de São Paulo. Domiciano cedeu seu espaço na Assessoria de Imprensa na administração  de Félix Eduardo Curado na Federação da Agricultura para mim. Na sequência, Ruy Brasil Cavalcanti Junior, assume a Faeg.

No regime militar, os generais do poder não gostavam de nenhum confronto. Ruy, filho de um militante da UDN, era um cara de visão e que procurava seguir as leis do mercado, propugnadas por Adam Smith. Por isso, contestava o tabelamento dos grãos impostos pelo sistema. Essa condição, às vezes agradava o consumidor final, mas contrariava os produtores, que perdiam estímulo em fomentar a produção agropecuária. Era algo, realmente, incoerente.

Essa contestação de Ruy Brasil através da grande imprensa repercutia nacionalmente. O Reynaldo Rocha e o Jávier Godinho vibravam com notícias assim porque ganhavam manchetes no Jornal do Brasil e o Globo, editados no Rio de Janeiro. Ruizinho, claro, era assediado pelos organismos de informação. E ele tinha sempre uma resposta na ponta da língua. Não era “corrupto” nem “subversivo”, os adjetivos usados pelo regime militar para combater com cassações os políticos que se utilizavam do dinheiro público (qualquer lembrete do Mensalão e Lava Jato é mera coincidência).

Subversivos eram os agitadores, que queriam implantar regime estranho ao poder. Por exemplo, algo parecido com Cuba, então União Soviética, Coreia do Norte ou hoje a Venezuela.

O tempo se encarregou de mostrar que Ruy tinha inteira razão. Num regime capitalista quem deve reger a economia é realmente o mercado.

No O Popular, achei por bem criar uma coluna Reservado, do tipo João sem medo. Jovem ainda, meio inconsequente, inseri uma notícia que foi fatal. Ouvindo uma conversa de bastidores pelo deputado Adevaldo Moraes, de Filadélfia, então norte de Goiás, de que o governador Ary Valadão era sócio do Golbery (ninguém menos que o criador do Serviço Nacional de Informações), general da reserva do Exército.

No dia seguinte bem cedo Ary Valadão lê a notícia, fica irritadíssimo e liga para Jayme Câmara, dono da Organização J. Câmara. Desabafa com o chefe máximo que procura se inteirar do acontecido.

Reynaldo explica que fora eu e, certamente, pondera para o meu zelo na empresa, etc. e tal.

“Quem mandou seu Zander (esta a maneira como seu Jayme me chamava, afinal Wandell é um nome difícil e ele costumava trocar nomes, o que riamos com o carinho a que dedicávamos a Jayme Câmara, uma figura humana por excelência) dar esta nota¿”

Reynaldo me liga em casa. Nem se sonhava com o celular, mas eu tinha telefone fixo, preto para não fugir à regra. Aconselhou-me a sair por uns dias enquanto a situação se acalmava.

Fui para Araguatins, a 1.500 km de Goiânia, na beira do Araguaia. Passada uma semana, ligo para o Reynaldo, chefe de redação. “Wandell, tá tudo bem. Você só ficou sem a coluna”.

Voltei de imediato. Aprendi a lição e meu companheiro, meu irmão, que se foi, ficou a eterna gratidão.

 

(Wandell Seixas, jornalista voltado para o agro, bacharel em Direito e Economia pela PUC-Goiás, ex-bolsista em cooperativismo agropecuário pela Histradut, em Tel Aviv, Israel, e autor do livro O Agronegócio passa pelo Centro-Oeste)


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