Se é imoral, por que deixar que fique legal?
Diário da Manhã
Publicado em 19 de fevereiro de 2018 às 23:50 | Atualizado há 7 anos
Para esta crônica pego carona na bronca geral que a sociedade, via redes sociais, vem dando nos membros do Judiciário e do Ministério Público que recebem auxílio-moradia.
É, no mínimo, embaraçoso um sujeito com atribuições de impedir malversações do dinheiro público, igualmente dilapidar o erário, ainda que acobertado por uma lei qualquer.
Até a garotada noviça nas habilidades jurídicas está cansada de saber que uma lei, antes de ser lei, deve guardar conformidade com as regras morais. Ipso facto (terno do agrado dos meninos operadores do Direito amantes do latinorum), qualquer determinação que não siga os preceitos de moralidade carece de legitimidade – ao que chamo de legalidade cambeta.
Ora, sem pretender ser didaticamente chato, mas já sendo, quero recordar que o princípio da moralidade é uma das escoras que dão base ao edifício da Constituição de 1988. Fora dele é vida morta. É fraude que burlar a vontade social.
Muito simples de entender. Quando a lei passa a ser da vontade particular de um governante, aqui peço socorro a Rousseau, para quem, ela deixa imediatamente de ser lei e passa a ser decreto.
Raciocínio lógico, posto que a lei surge da vontade geral, uma vez que esta foi feita por todos, para todos.
Daí, uma casta (no caso em questão, magistrados, membros do ministério público e iguais na espécie) com vantagens em detrimento dos demais, fere frontalmente a moralidade pública. Lei injustiça é uma ameaça que se faz a todos.
Repetindo o meu gesto costumeiro, aponto o dedo “fura-bolo”, em riste, na direção da falha primeira que “legaliza” o malfeito de todas as modalidades nas largas avenidas da corrupção, qual seja o podre sistema de governo instalado nos Poderes, onde o homem passa a ser um simples, tolo esperto, produto do meio, que não avalia o efeito bumerangue de suas ações. Em matéria de governo, sem churumelas, falimos.
(Iram Saraiva, ministro emérito do Tribunal de Contas da União)