Se o sertão é perigoso, viver é ainda mais perigoso
Redação DM
Publicado em 6 de dezembro de 2016 às 01:26 | Atualizado há 8 anosRiobaldo, Personagem de grande sertão: veredas, de João Guimarães rosa, diz que “viver é muito perigoso”. Perigosíssimo, mas com as belezas dispostas pelas veredas do sertão. E é isso que nos impulsiona a viver, a enfrentar desafios, a nunca desistir. Talvez, porque o maior perigo seja a morte que está lá no final.
Ao longo de uma vida, passamos por diversas experiências. Do nascer ao morrer, cada ser humano tem uma trajetória. Mesmo dentro de determinada família, determinado grupo social, mesmo com experiências compartilhadas a vida se dispõe para cada um de maneira específica. Viver, então, se torna perigoso não somente pelo fato de que podemos morrer a qualquer momento (seria reducionismo pensar assim), mas porque sempre há o inesperado, aquilo que foge a nosso controle.
Os meandros da vida. Outra epígrafe de grande sertão: veredas nos diz: “O real não está nem na saída nem na chegada. O real se dispões para a gente é no meio da travessia”. Eis a palavra-chave da vida humana: “travessia”. Atravessamos o sertão da vida, o sertão interior, o sertão da convivência, o sertão da religiosidade. Na verdade todos eles um único sertão, o sertão da existência.
À medida que crescemos fisicamente e psicologicamente, estabelecemos metas e objetivos de vida.
Estabelecemos prazos também (curtos ou longos). Tais metas e objetivos podem ser de várias ordens: ter filhos ou não, amar, ser amado, viajar, comprar um carro, ter a casa própria, fazer um curso superior, ser feliz etc etc. Se fôssemos enumerar, gastaríamos páginas posto ser os homens muitos como muitos são seus objetivos não acontecem nos prazos estipulados por nós. E isso, as vezes, na causa um certo sentimento de que a vida não ocorre conforme planejado por nós.
Entra, então, a ideia rosiana de que “o real se dispõe para a gente no meio da travessia”. A travessia é a aprendizagem, é o muitas vezes algo não acontecer conforme nosso planejamento, é o indesejado a bater à nossa porta. Beleza maior. Isso nos mostra que há muito mais pelas veredas incertas do sertão, pelas incertezas da vida. Lugar comum é a certeza de que vamos morrer um dia. Porém, a morte também tem um certo grau de incerteza: quando, onde e de que modo morreremos é impossível saber. E nas incertezas continuamos a avançar. Continuamos a enfrentar o perigoso. E, talvez, lá no fundo, poderíamos ver os olhos verdes buritizais de Diadorim e nos espreitar. Do demo? De Deus? Perguntamos sempre. Medo. Fé. Condenação, salvação. Também são veredas do sertão.
“Viver e muito perigoso” porque traz para a gente o impossível da vida, os meandros, o que foge ao nosso controle. E viver assim é muito bonito, é mágico. Por isso, que o criador de Riobaldo tem razão ao afirmar: “As pessoas não morrem, ficam encantadas”. Então cabe a nós viver.
(George Oliveira, jornalista)