Sensação de dever cumprido
Redação DM
Publicado em 10 de outubro de 2015 às 22:32 | Atualizado há 10 anosLevantou cedo. Escovou os dentes e após tomar um copo de água foi para a caminhada de todos os dias.
Lá encontrou alguns amigos, uns que não via há algum tempo, e pôde, sem parar o exercício, saber de algumas notícias, umas muito boas e outras nem tanto, mas próprias do cotidiano de todos.
De volta, o banho, a barba feita com capricho, e a roupa de trabalho. Parou, todavia, na primeira esquina. É que um deficiente visual tentava atravessar uma avenida de duas pistas. E não estava fácil. Pessoas passavam por ele e só olhavam, mas nada faziam. Então, tocando-lhe o ombro disse: vamos atravessar juntos?
Continuou até chegar ao local de trabalho. O dia prometia, pois o telefone não parava de tocar. Consultavam de diversas localidades sobre a melhor maneira de usar determinado procedimento e não havia como deixar de responder. Não conseguia. Era a sua índole. E se aplicava, mais uma vez, a regra da consulta por telefone, naturalmente de graça.
Mas logo o mesmo telefone proporcionou consulta que dependia de longo estudo e só poderia ser respondida mediante parecer, imediatamente contratado a um preço compensador.
O whatsapp registrou recado urgente. Informavam-no da morte de um grande amigo, de ataque cardíaco. Sepultamento para o final da tarde. Elevou sua prece e encomendou ao modo cristão a alma do amigo falecido.
Não houve tempo para um pequeno lanche intermediário, porque a sua frente estavam os originais de um livro que precisava de revisão. Olhava para o volume impresso e resolveu sair de sua mesa de trabalho para um local mais isolado, onde pode rever trinta e cinco páginas do grosso volume de mais de duzentas.
Agora o celular vibrava no bolso interno do paletó, esquecido no espaldar da cadeira.
Chamado de casa, para o almoço, não sem a lembrança de que aquele era dia de pagamento de algumas obrigações financeiras.
Gemeu significativamente ao perguntar o valor dos pagamentos e muito mais significativamente quando este foi anunciado. Ficaria sem nenhuma reserva, o que era inadmissível, nesta época de vacas magérrimas…
Em casa, novo banho. Calor incrível. Almoço um tanto rápido e breves 15 minutos de descanso. De volta à batalha.
Antes que chegasse, o celular mostrou aviso da secretária: O senhor marcou consulta com o Sr.Belarmino ? Não consta da agenda, mas ele está aqui aguardando.
Na mesa, algumas petições. Requerimentos e ofícios para serem assinados. Nunca, porém, antes de sua rigorosa revisão. Às vezes delegava este serviço da digitação, mas, desconfiado, lia tudo de novo para ver se não havia algum engano.
Papéis assinados e despachados.
Telefonemas atendidos.
Decisões mil tomadas, e tudo assim de queima bucha…
As coisas andando rápidas demais, sem permitir maior reflexão, exigindo resposta imediata, atitudes também.
Fazer o quê?
A vida de hoje é deste jeito.
Já ia lá pelo meio a tarde sufocante.
Foi quando, como que acordando de um sonho agitado, lembrou-se da vizinha de escritório. Pessoa gentil, extremamente educada. Não titubeou. Foi até a amiga e, na maior faixa, filou um cafezinho feito na hora… Interessante, quando há carinho, mesmo o café quentinho, da hora, é refrescante…
Voltou, depois de um dedo de prosa, mas descobriu, assombrado, que naquele dia, os bancos entraram em greve, Meu Deus, que transtorno! Como não vira isto? É que só agora pudera abrira o jornal do dia.
Foi ao computador. Tinha que completar um trabalho inconcluso mas que deveria ser entregue neste dia.
E haja pressa! Haja tropeços de digitação! Haja correções…Ainda bem que o computador permite isto com bem maior facilidade. Se fosse no tempo da datilografia, com papel carbono para a cópia….Deus me livre!
Deu-se conta do sepultamento do amigo. Tinha que comparecer . E compareceu. Assinou o livro de presença…
Chegou em casa, de volta, meio cansado. Mas logo mais, às 19h 30 min haveria o lançamento do livro de uma grande amiga, ex-aluna, que insistira na sua presença.
Mais um banho, mais uma troca de vestimenta, e vamos lá.
Lançamento bem sucedido. Excelente música ao vivo.
Mas o cansaço bateu firme. Quase 22horas.
De volta pra casa, já assentado na beira da cama, fez sua oração de agradecimento pela providência divina em sua vida naquele dia.
E filosofou: Graças a Deus!
Tenho certeza de que a missão foi comprida.
Mas tenho a sensação de dever cumprido
(Getulio Targino Lima, advogado, professor emérito ( UFG ), jornalista, escritor, membro da Academia Goiana de Letras, Cadeira nº 6 – Email: [email protected])