Opinião

Siron de saia

Diário da Manhã

Publicado em 13 de novembro de 2015 às 21:46 | Atualizado há 9 anos

Se tem um artista visual brasileiro que derrubou as paredes de seu atelier para criar no palco da sociedade obras sínteses da consciência popular, este é Siron Franco.

De há muito ele deixou de ser destes artistas que se inspiram na rua para criar no gabinete protegido do atelier. Com Siron a arte foi parar na luminosidade do noticiário da TV ou na janela de uma primeira página de jornal, mostrando a todos do que a arte é capaz quando não está natimorta nas paredes das galerias e museus, extensões naturais das paredes solitárias de atelier.

Foi ainda na década de 1980 que Siron criou, em Goiânia, seu primeiro projeto de invasão da arte nos espaços públicos. Chamou de “Ver-a-cidade”. O nome foi literalmente propício, pois só atuando de dentro e para a sociedade é que o artista pode dar veracidade à sua obra.

De lá para cá se perdem na memória e nas gavetas de seus arquivos as tantas vezes que Siron fez das ruas, das praças, dos viadutos e das esplanadas o suporte para sua arte, expondo obras que comentam e desconcertam o estatus reinante.

Os temas tratados são variados como a palheta social de interesse do artista e, sempre flagrando contradições do sistema, não se prendem a um segmento, muitas vezes tratam de vários assuntos de maneira transversal.

Em suas obras Siron denuncia, por exemplo, a mobilidade e o trânsito, a violência contra a mulher e a infância, as mazelas humanas causadas pela miséria, os desvios da educação, os abusos contra os direitos indígenas, a falta de atenção à saúde da população e à sua segurança, e os enormes perigos dos equívocos dos governantes.

Como instrumento de sua arte ele já fez uso de antas de gesso, bonecos de pano, esquifes, jornais, miniaturas, paneaux, brinquedos, adesivos, colagens, monitores, árvores condenadas, espelhos e até mesmo a velha e boa pintura sobre tela. Sempre em tamanhos agigantados ou em números excedentes. As antas, por exemplo, foram 500 instaladas na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Os briquedos denunciando os maus tratos à infância, foram milhares compondo uma gigantesca bandeira brasileira.

E agora vem o Siron novamente, pintando de saia na praça mais tradicional de Goiás, a Praça Cívica Dr. Pedro Ludovico Teixeira. Ele se traveste da cintura para baixo para uma vez mais reclamar do jogo político escuso e obtuso que deixa de escanteio e protela os direitos plenos da mulher no Brasil. Para isso, o artista criou um mote que instiga, posiciona e justifica a importância da mulher: “Somos todos fi-lhos da mãe.”

Trajando camistas com dizeres do movimento/homenagem e saias alusivas a elas, a todas as mulheres do mundo, Siron e seu bando de justiceiros do bem-estar sai uma vez mais do atelier e vem para rua, adentrando o cerne da Praça Goiana até chegar ao pedestal do monumento às três raças de trabalhadores e construtores da goianidade (na verdade, são quatro, pois o artista quem a fez, antena das raças, está invisível, mas presente).

O que Siron ganha com isso? Nada e nunca. O que deve lhe dar, imagino, é uma satisfação de pertencimento que logo-logo se exaure e deixa o artista novamente inquieto. Também lhe dá problemas. Foram (e tem sido) muitos os percalços e as dificuldades para que o artista se manifeste ao longo do tempo, deixando no horizonte a sua escrita social.

E assim como foi no passado, com certeza será no futuro duradouro que o artista tem pela frente, rodando a saia, invadindo incansável a mansidão dos ermos mentais com a lucidez implacável de sua arte que nos salva de um mundo ainda indiferente e bárbaro. Feliz de uma época que tem seu Siron.

 

(Px Silveira. ArteCidadania)

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