Sociedade geradora de criminosos
Redação DM
Publicado em 29 de junho de 2017 às 23:33 | Atualizado há 8 anos
Com o surgimento do conceito da teoria do Etiquetamento social, ou mais popularmente, Rotulação, o Labelling Approach tem seu ápice em um contexto de um novo paradigma criminológico, advindo do estreitamento e mudanças sócio-criminais que sofreu o direito penal ao longo de décadas. Essa nomenclatura se deu porquanto o cenário caótico em meio a reação social, ao antigo paradigma etiológico, que analisava o criminoso segundo suas características e compleições físicas individuais desprezando outros fatores sociais tendo como óbice na assertiva do objeto de análise o sistema penal e o fenômeno de controle.
O individuo neste diapasão passará a ser observado de acordo com a sociedade inserida e seus grupos, e não somente o seu lado particular. O desviante, como é tratado, é submetido a analises profundas das situações em que este será(poderá) ser considerado como tal. Passa agora pelo prisma de o desviante e o crime serem rotulados, iniciando uma cadeia por meio de complexos e profundos processos de interação social, muito diferente da constituída anteriormente, foi diagnosticado uma atração mais latente entre sociedade e individuo e não mais uma qualidade particular, intrínseca da conduta individual.
Naquele momento se preocupava muito mais com a relevância das relações sociais na compreensão e análise do comportamento do desviante como um ser no mundo, o foco agora do pensamento criminológico reverberva a busca acalorada a uma resposta sobre a criminalidade nas características intrínsecas de cada indivíduo, e no contexto social em que ele estava inserido.
A máxima de Marx da delinquência não sendo vista como um comportamento anterior a qualquer sistema de controle social ou jurídico, mas sim um produto desse sistema, corrobora na urgência dada especialmente pela crítica ao mito do Direito Penal como igualitário, demonstrando a impossibilidade de existir um direito penal que prega igualdade em uma sociedade extremamente desigual.
Todavia o crime não é uma qualidade intrínseca da conduta, nem deve a ela ser atribuída, mas sim uma qualidade subsistente através de complexos processos de interação social, processos esses altamente seletivos, criminalidade, discriminatórios e por que não politicamente distribuídos e pinçados as avessas a uma parcela mínima da sociedade. Temos então com esse marco o etiquetamento social e consequentemente, a superação do tradicional ponto de partida, agora com a problematização e a própria definição da criminalidade.
Esta sob uma nova ótica diferentemente do que se imaginava até ai, não é inerte, sofre adaptações rotineiramente e estabelece uma conexão arreigada ao resultado de um processo social de interação entre definição e seleção existente de forma mais contundente somente nos pressuposto normativos e valorativos, sempre circunstanciais, dos membros de uma sociedade.
A própria sociedade que trata de condicionar o indivíduo, de discipliná-lo através de um largo e sútil processo vendo restar infrutíferos esses repassam a atuação para que esta se estabeleça de modo coercitivo sendo impositivas sanções distintas das sociais, e eternas que serão castigos estigmatizantes que atribuem ao infrator um singular status de delinquência e não a delinquência nata afirmada anteriormente, aquele que nasce para o crime, sem filtros ou diferenças entre os delitos.
Como poderia aquele que viola em tese algum comportamento de conduta “padrão” poder ser interpretado como uma pessoa não confiável para a vivência em um grupo podendo se equiparar ao status de um traficante de drogas da mesma maneira que alguém que ao se embriagar em uma festa de família em excesso passa a se porta de maneira inconveniente?
O criminoso nesta em apertada síntese não é considerado como tal pelo ato que pratica, mas sim pela etiqueta que lhe é colocada, e tal rótulo poderá(irá) excluí-lo da sociedade, sendo ele estigmatizado e rejeitado pelas cifras ocultas da criminalidade, a partir das quais alguns crimes nunca são punidos, ou sequer chegam ao conhecimento das instâncias de controle oficiais. Com isso, passa-se a punir somente uma classe de pessoas e tipos específicos de crimes, fazendo com que a punição e o direito penal não sigam o princípio da igualdade na melhor das hipóteses.
O controle realizado pelo Estado, punindo assim somente parte dos crimes e das pessoas, é o que chamamos de seletividade. O sistema penal brasileiro é sem sombra de duvidas um retrato dessa seletividade. Basta analisarmos o perfil da população majoritariamente encarcerada. Essa população esmagadoramente masculina; por um público dominado por jovens (59% dos encarcerados possuem de 18 a 29 anos), negros e, ainda, por apresentar escolaridade defasada, vez que cerca de 49% são analfabetos ou possuem ensino fundamental incompleto.
Diante desse rótulo recebido, o indivíduo é marginalizado e tem muitas dificuldades de viver em sociedade, o que acaba acarretando uma série de fatores negativos no agente selecionado. O status de criminoso o obrigará diante da necessidade de sobrevivência versus rótulo a viver a margem da sociedade criadora deste mesmo individuo que agora fará do crime seu meio de vida, pois salvo raras exceções jamais conseguirá se reposicionar na sociedade, por já ter sido um “criminoso”.
Como integrante de uma sociedade revolucionária que se pinta ( os caras pintadas), realizam impeachment, vão as ruas protestar não se preocupem sobre o a função das prisões na sociedade? E pior a quem essa segregação condicionada tem sido direcionada?
A pena privativa de liberdade deveria ter como uma de suas funções a ressocialização e já ai que se surge a baila que não se pode ressocializar alguém que nunca teve sequer a oportunidade de ser socializado e alguém que viveu e continua sendo excluído pelos muros da prisão, fazendo com que sua personalidade ganhe outros rótulos e se especialize em outras áreas do crime, o que o exclui cada vez mais.
Como pode ser aviltada a nossa Lei Maior? Onde aqueles que cometeram crimes, a prisão deveria ser a alternativa, e não a regra. O direito penal deve ser utilizado como ultima ratio e que as penas alternativas fossem mais aplicadas pelo Poder Judiciário, tendo em vista sua própria ingerência, não apena a uma pequena parcela pinçada da sociedade que sob os mesmo argumentos e condições conseguem o que, em regra, mais de 75% dos encarcerados desprovidos de recursos financeiros e consequentemente de defensores, outro fundamento extirpado de nosso ordenamento jurídico, tem os mais endinheirados por assim dizer.
Qual a grande diferença entre as presidiárias que tem filhos que precisam de seus cuidados e usam retalhos de panos como absorvente e aquelas que tem joias em seus armários na casa dos milhões?? O carrasco direito penal cuidadosamente se incumbiu de lhes separar através das grandes bancas de defesa. Ora bem todos temos ou deveríamos ter a mesma possibilidade, não se pretende aqui estabelecer burburinhos de que essa ou aquela não “merece” tal advento, mas sim estabelecer um nexo da desproporção do individuo fruto integrante da própria sociedade e por ela gerado agora rotulado e aqueles que por motivos que trataremos em momento oportuno tiveram condições de não estarem diante da pratica de crime e mesmo assim o fizeram, não seria o caso então de ao analisar tais distinções e iguala-las?
A tão festejada quanto falaciosa isonomia de Miguel Reale onde a encntrar!?! Porém como esta não é a realidade existente e não parece ser um caminho factível, os noticiários cuidam diuturnamente, de publicizar a imagem e o estigma criminalizador do “advogado de bandido” ou ainda “despachante da corrupção” quando deveriam, ao menos, em tese existir uma chance de que o profissional que defende, patrocina ( no sentido contextual) não o crime ou a conduta desviada mas sim o ser humano o direito que lhe é inerente fosse ofertada sem discrepâncias como regra geral e mais tardar lutar pela melhoria e expansão nos projetos de reintegração social.
Sendo assim, se o potencial criminoso reincidente fosse reduzido, o preconceito e o estigma das instâncias de controle amenizados o desvio real seria evitado ou diminuído, os indivíduos passariam a se sentir mais pertencentes e poderiam ter uma vida bem mais integrada uns com os outros, o que consequentemente, diminuiria a criminalidade e o ciclo da estigmatização dos agentes desviantes.
Vimos a sociedade aplaudir o “goleiro Bruno” ao sair da prisão e conseguir um contrato de trinta mil reais para jogar em um time de Minas Gerais, mas imaginemos quantos assassinos cruéis e frios que ardilosamente ao serem perqueridos tem esta mesma oportunidade? Quantos mesmo após cumprirem suas penas, o que não é o caso do Bruno, ainda assim nunca mais poderão se reposicionar profissional e socialmente por mais que tenham pagado pelo crime e sejam qualificados para trabalhar. Pode alguém ser penalizado mais de uma vez por um mesmo desvio? Ou apenas alguns conseguem ao menos não ser punido nenhuma?
Fica a certeza e não nos enganemos o Direito Penal que temos hoje é fruto desta sociedade que produz, rotula e segrega o individuo, aplaudindo de pé meu criminoso-famoso favorito!! Até onde nós enquanto sociedade somos responsáveis por nosso produto industrializado do crime?? Por que se recepciona o ex- presidente envolvido em vários escândalos de corrupção que abalaram profundamente os pilares e toda estrutura de um país aos braços da cadeira presidencial enquanto execramos o ladrão de galinhas? As respostas são claras diante de um cenário obscuro das incertezas que levam este país.
(Vanessa Mariano, advogada criminalista com expertise em ciências criminais, pós-graduanda em trabalho e previdenciário, gestora em segurança pública)