Brasil

Somos, acaso, uma sociedade de tolos?

Redação DM

Publicado em 20 de janeiro de 2016 às 22:56 | Atualizado há 10 anos

Não poucas vezes, ponho-me a perguntar: somos, acaso, uma sociedade de tolos?

A julgar pelo quanto acreditamos nas propagandas veiculadas pelo governo estadual, acredito que não.

Conhecido pela grande importância que atribui à autopropaganda – modelo já disseminado nos regimes totalitários de um passado ainda bastante recente –, o atual governo de Goiás tem se superado. A moda da vez é tentar desconstruir a imagem negativa despertada na população por conta da insistente onda de terceirização da máquina pública. Saúde, educação, segurança, pouco a pouco confiadas à administração de Organizações Sociais, as chamadas “OSs”. O que estas instituições ganham com isso? Abatimento nos impostos? Algum outro benefício? Você, caro leitor, saberia me dar esta resposta?

Por ora, contudo, não teço minha indignação contra tal movimento como um todo – muito embora dele discorde em gênero, número e grau – senão ao que tenho assistido pela TV nos últimos dias. Uma propaganda, de maneira particular, despertou minha atenção. Em seu enredo, uma mulher de meia idade tenta justificar o novo sistema de gestão educacional a ser implementado no estado de Goiás, tomando como base pesquisas desenvolvidas pela Leland Standford Junior University, simplesmente conhecida como Standford University, uma instituição de ensino e pesquisa com sede nos Estados Unidos.

Em primeiro lugar, devemos recordar que as pesquisas desenvolvidas pela referida universidade tomam como campo de estudo o contexto do ensino público norteamericano que, inclusive na distribuição das séries e categorias de ensino, se distingue do brasileiro. Desse modo, perguntamo-nos: em que tais resultados interessariam a nós, nobres citadinos do coração do Brasil? Não é preciso ser expert em estatísticas para saber que uma vez variado o contexto os resultados de uma pesquisa não podem ser aplicados em sua totalidade. Isso porque vários outros elementos devem ser levados em consideração, tanto atinentes à cultura, quanto à própria estruturação do sistema de ensino. Não seria fácil, por exemplo, estender os resultados de uma pesquisa feita em uma determinada região do país às demais outras. O que, então, dizermos sobre a apropriação de referências norteamericanas sem maior reflexão de nossa parte?!

Por conseguinte, seria conveniente também perguntarmos: por que recorrer a uma instituição de ensino e pesquisa de outro país para legitimar uma prática que já é renegada pelas instituições locais? Para quem não sabe, há no estado de Goiás importantes centros de pesquisa em Educação, entre os quais vale a pena destacar os programas de mestrado espalhados por todo o estado, bem como os de doutorado, tanto da Universidade Federal de Goiás, quanto da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, ambas com sede em Goiânia. Por que dar as costas para o que está debaixo do nosso nariz, para nos valermos da expressão coloquial, em favor de mais um produto enlatado que nos chega de goela abaixo?! Quem deu aos Estados Unidos hegemonia para se erguer como exemplo a ser seguido por todo o restante do mundo? Cada qual conhece bem a sua própria casa, e não é diferente em se tratando de gestão pública. Somos nós e não eles que devemos decidir sobre o nosso futuro. Somos nós e não eles que devemos ter a nossa voz ouvida e considerada por aqueles a quem cabe administrar o nosso patrimônio comum.

Pelo que sei, algumas das faculdades que integram a Universidade Federal de Goiás, especialmente aquelas responsáveis pela formação – em nível de graduação e pós-graduação – dos futuros e atuais docentes da rede pública de ensino do nosso estado, já se manifestaram contrariamente em relação à administração das escolas por “OSs”, como também sobre a militarização dos colégios estaduais (operação defendida por muitos como sendo a “solução X” contra o sucateamento de nosso atual sistema de ensino). Por qual motivo, então, estas manifestações não ganharam voga nas grandes mídias? Por que não foram levadas em consideração quando da fase de discussão das propostas – se é que esta etapa realmente tenha existido?

Na verdade, parecemos estar diante de um problema que em muito ultrapassa os limites do campo educacional especificamente. Particularmente, não estou convencido dos bons propósitos dos projetos acima mencionados. Por debaixo de uma pretensa preocupação com a qualidade do ensino, enxergo apenas mais uma tentativa de destituir o estado de suas responsabilidades constitucionais. Oferecer um sistema educacional com qualidade satisfatória, em todos os seus níveis, é tarefa do estado, a qual não pode ser delegada a quaisquer que sejam. Isso, no entanto, apenas pode ser efetivado caso sejam desenvolvidas políticas públicas de valorização dos profissionais da educação, não apenas no que se refere aos seus vencimentos mensais, mas à qualidade dos ambientes escolares, isto é, ao aprimoramento da infraestrutura das escolas – que em muitos casos estão em estado precário –, ao livre acesso dos estudantes aos bens culturais, ao esporte e ao lazer. Não existe solução para o problema educacional que não toque, simultaneamente, os demais setores da sociedade. Isso porque ainda acreditamos no aspecto transformador – e não apenas mantenedor de estruturas obsoletas – da educação.

Não é possível que a esta altura de nossa democracia ainda tenhamos que nos submeter aos caprichos de um gênio megalomaníaco, cuja busca por poder, acima de tudo e de todos, parece estar de costas para o diálogo, a compreensão e o bem comum. Não somos uma sociedade de tolos contra a educação. Nosso clamor é legítimo e deve ser tomado em conta. A melhoria do sistema educacional em nosso estado não é responsabilidade única e exclusiva da secretária de estado e, muito menos, do governador. É, ao contrário, tarefa de todos nós, pela qual devemos nos unir e, se necessário, erguer a voz.

 

(José Reinaldo F. Martins Filho, mestre em Filosofia (2014) e mestrando em Música, ambos pela UFG, doutorando em Ciências da Religião pela PUC-Goiás)


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