STF rasga a constituição brasileira
Diário da Manhã
Publicado em 25 de fevereiro de 2016 às 00:59 | Atualizado há 9 anos
O Supremo Tribunal Federal se orgulha de ser o guardião da Constituição Federal, sendo prestigiado pelo mundo jurídico e reverenciado pela sociedade brasileira, por reconhecerem essa sua singular missão Constitucional.
O STF, sem dúvida, é o guardião da Constituição, porem isso não significa que lhe é atribuído a sua titularidade, ou seja, não é o seu dono para, autoritariamente, se alvorar no direito de modificar o que nela foi escrito pelos constituintes legitimamente eleitos pelo povo, para essa específica e democrática missão.
O dia 17 de fevereiro de 2016 será sempre lembrado como sendo a data em que o STF escreveu a pagina mais negra de sua história, ao revogar o inciso LVII do art. 5 da CF, que estabelece a garantia constitucional de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, abolindo de vez a reverenciada presunção de inocência.
Não se trata de simples mudança jurisprudencial, mas de radical alteração do texto Constitucional feita pelo STF, para determinar que o réu comece o cumprimento de pena antes do trânsito em julgado de Sentença condenatória, ou seja, em havendo condenação em segundo grau, independente de recursos, o réu restara preso. A presunção de inocência foi vergonhosamente substituída pela presunção da culpabilidade, verdadeiro retrocesso às conquistas alcançadas pela Constituição cidadã de 1988.
O STF, antes de tomar radical e inconstitucional decisão, primeiro deveria ter olhado para o seu próprio “umbigo”, para admitir que naquela Suprema Corte milhares de processos se encontram amontoados a espera de julgamento de Recursos, interpostos por réus que, agora, terão de aguardar, presos, a morosidade do judiciário e a boa vontade de intocáveis Ministros que se julgam acima da Constituição e mais próximos de Deus.
A decisão do STF é de extrema gravidade, pois determina que réus passem anos e anos segregados em presídios superlotados, verdadeiros depósitos de seres humanos para depois, eventualmente, serem considerados inocentes.
Um dia na cadeia é uma eternidade, principalmente quando se é inocente. Não se faz apologia da impunidade, pois quem deve tem que cumprir sua reprimenda na proporção e na gravidade do seu delito. No entanto, correta é a assertiva de que é preferível um culpado solto, a um inocente preso.
No entanto, a visão míope da maioria dos ministros do STF, a máxima é outra. Primeiro prendem-se todos antes de Sentença transitada em julgado, depois se vê quem é inocente e quais os culpados, não se importando com a injustiça cometida e os inevitáveis e irreparáveis danos causados ao preso inocente e à sua própria família. É a abominável consagração da presunção da culpabilidade, o que é incompatível com o Estado de Direito Democrático.
A decisão inconstitucional e arbitrária do STF, além de violar a própria Constituição brasileira, nega o voto do Brasil proferido na Assembleia Geral da ONU de 1948, que aprovou a Declaração dos Direitos Humanos, na qual esta insculpido o principio da presunção de inocência, princípio que foi expressamente incorporado pela Constituição Brasileira de 1988.
Com a aprovação pelo Congresso Nacional, pelo Decreto Legislativo nº 27 de 1992, e com a Carta de Adesão do Governo Brasileiro, anuiu-se à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecido como Pacto de São José da Costa Rica, que estabeleceu em seu art. 8º, I, o Princípio da Presunção de Inocência, ao afirmar que: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.”
Na verdade, o Brasil tem dois textos legais no plano constitucional, que asseguram o princípio da presunção de inocência, na medida em que o art. 5º, § 2º da CF/88 atribui essa condição/natureza de constitucional ao Tratado Internacional devidamente aprovado pelo nosso País. E, não se pode negar que tanto o Pacto de São José da Costa Rica, como o art. 5º, LVII, da CF/88 reconhecem, expressamente, a vigência desse princípio.
Sendo a Constituição Federal nossa Lei suprema, toda a legislação infraconstitucional, portanto, deverá absorver e obedecer tal princípio. Ou seja, o texto constitucional brasileiro foi eloquentemente incisivo: exige como marco da presunção de inocência o “transito em julgado de sentença penal condenatória”, indo além, portanto, da maior parte da legislação internacional similar.
No entanto, os ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e a ministra Carmem Lúcia pensam exatamente o contrário ao rasgarem a nossa Constituição, para tomar decisão a fazer inveja às atitudes mais nefastas da Ditadura Militar, bem como para negarem, desonrosamente, os tratados internacionais consignados pelo Brasil.
Além das consequências nefastas da decisão majoritária do STF, não se teve o cuidado de se garantir a segurança jurídica aos condenados em segunda instância, ou seja, ter-se-ia que se observar, mesmo que a decisão do STF não seja Lei, por analogia, o período de vacatio legis, ou seja, a nova decisão, mesmo sendo inconstitucional, deveria valer para os Recursos interpostos a partir da publicação do Acordão, e não antes como já esta sendo praticado, açodadamente, por parte de alguns Tribunais, sem a observância de que a Lei não pode retroagir para prejudicar o réu.
Em assim não sendo, todos os réus que estão aguardando julgamento de algum Recurso, terão que ser imediatamente presos, sendo que o Estado-Juiz, como se sabe, não condições de segregá-los, uma vez que nossos presídios estão vergonhosamente superlotados, se constituindo em verdadeiros depósitos de seres humanos.
Por não ter efeito vinculante, a decisão do STF pode ser ou não aplicada pelos tribunais que, pela praticidade e bom sendo, a meu juízo, não deveria uma vez que não existiria lugar para se colocar tantos presos.
Para o Ministro Marco Aurélio, o dia 17 de fevereiro de 2016 “foi a mais negra tarde do Supremo Tribunal Federal”, indignação externada também pela ministra Rosa Weber e pelos ministros Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, que têm demonstrado independência, sabedoria e lucidez ao julgarem relevantes causas em benefício da sociedade brasileira.
Na condição de modesto operador do Direito compartilho e apoio a posição prudente, sábia, lúcida e Constitucional desses notáveis integrantes do STF, na esperança de que, em face de tais predicados, possam irradiar lampejos de luz sobre seus colegas que, em momento de amnésia jurídica trilharam na escuridão e, sem dó e sem piedade, rasgaram a Constituição Brasileira!
(Valdir do Prado, advogado criminalista)