Temer erra ao não exonerar ministros delatados
Redação DM
Publicado em 29 de janeiro de 2017 às 00:10 | Atualizado há 8 anos
Temer disse (O Globo, 19/01/17) (em Ribeirão Preto-SP) que não vai exonerar nenhum ministro citado nas delações da Odebrecht. Está em linha, nesse ponto, com os interesses da bandidagem político-empresarial, que não se distinguem evidentemente pela postura ética. As delações da Odebrecht (77 executivos) estão na iminência de homologação no STF (o trabalho planejado por Teori não parou).
O próprio Temer é um dos citados nessas delações (teria levado R$ 10 milhões do departamento de propinas da empresa). Grande parte do seu ministério, de seus auxiliares e do seu grupo mais próximo também está nas delações (Renan, Jucá, Eunício, Maia, Padilha, Moreira Franco, Serra, Bruno Araújo, Imbassahy etc.).
Todos teriam recebido propinas do departamento específico da Odebrecht (na forma de caixa dois ou de corrupção ou de lavagem de dinheiro ou de doação eleitoral).
Temer afirmou: “Nenhum ministro será afastado por causa das delações, que devem ser investigadas. Só depois da investigação administrativa e judicial é que a demissão deve ser analisada”. Jucá, Henrique Alves e outros ministros foram citados em delações e foram exonerados. Daqui para frente isso não vai mais ocorrer. Por quê?
O presidente da República se vê na circunstância vergonhosamente deprimente de que não pode demitir nenhum ministro por recebimento de propinas da Odebrecht ou de qualquer outra empresa porque, por esse motivo, ele também teria que ser prontamente demitido.
Um governo que chega a esse ponto de degeneração ética e moral evidentemente joga sua credibilidade na lona. E está sujeito obviamente a muita instabilidade policial, judicial, política e econômica.
Eu não concordo que o Brasil seja governado por quem recebe propinas de empresas corruptas, porque dessa forma nunca vamos sair da recessão econômica nem ter o futuro de prosperidade nacional que tanto queremos.
O jornal Valor Econômico (Luiz H. Mendes, 19/1/17) informou: – “O presidente Michel Temer disse que o eventual afastamento de ministros que forem citados nas delações dos executivos da Odebrecht depende do teor das declarações e do andamento das investigações”.
– “Na delação, você tem alguém falando de outrem, e quando alguém fale de outrem, você tem as investigações. Vamos esperar as delações”.
– “Uma parte da delação do executivo Cláudio Melo Filho vazou e envolveu Temer, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), além de vários ministros e parlamentares”.
Reafirmação
da cultura da cleptocracia
As relações promíscuas e deletérias entre os empresários do mercado cartelizado (a economia de laços) e a política são regidas pela cultura da cleptocracia, ou seja, pela cultura das roubalheiras impunes do dinheiro público praticadas pelos donos oligarcas do poder.
Os donos cleptocratas do poder, por força da impunidade (como regra), mantêm-se fiéis a essa cultura da malversação do dinheiro público e reproduzem seus esquemas de expropriação da população em qualquer tipo de governo, seja de esquerda ou de direita ou de centro. Sua ideologia é o poder e o dinheiro.
Ao longo da história (Colônia, Império, República, Ditadura e Democracia) nunca lhes invadiu qualquer receio de punição ou mesmo qualquer traço de pudor ou de sentimento de culpa. O que está introjetado culturalmente nas cabeças das elites dirigentes também é normalizado (é banalizado, é tido como normal). Precisamente isso se deu durante quase quatro séculos de escravidão. E tudo se perpetuou durante a Nova República (1985-2017). Da alma dos donos cleptocratas do poder essa nefasta cultura nunca saiu. A lógica é a expropriação de tudo que for possível (para si, para seus amigos ou para seus correligionários). Mesmo que, com isso, o país seja levado ao caos ou ao colapso.
Os donos cleptocratas do poder, por força de uma cultura secular, cultuam suas personalidades e se cercam das empresas e bancos beneficiários das benesses do Estado e do capitalismo de compadres. O Brasil, nesse sentido, bem que poderia ser um desses países “istão”. Se se chamasse Brasilquistão não seria de se estranhar.
Quando um presidente da República não pode demitir seus auxiliares por recebimento de propinas porque, por esse motivo, ele também teria que ser demitido, está mais do que evidente a reafirmação da cultura da cleptocracia. E a absoluta falta de credibilidade da nação.
É óbvio que nenhum investidor sério (que não seja apenas oportunista) jogará seu dinheiro num país cujas luzes políticas e econômicas se assemelham às de um cassino financeiro.
Luiz Flávio Gomes, jurista