Opinião

Temer será investigado por vários outros crimes: caiu sua blindagem

Diário da Manhã

Publicado em 16 de março de 2018 às 01:23 | Atualizado há 7 anos

O art. 86, § 4º, da CF, diz: “O Pre­si­den­te da Re­pú­bli­ca, na vi­gên­cia de seu man­da­to, não po­de ser res­pon­sa­bi­li­za­do por atos es­tra­nhos ao exer­cí­cio de su­as fun­ções”.

Não po­de ser “res­pon­sa­bi­li­za­do” sig­ni­fi­ca que não po­de ser “pro­ces­sa­do cri­mi­nal­men­te” por atos es­tra­nhos ou fo­ra das su­as fun­ções. Pro­ces­sa­do não, mas in­ves­ti­ga­do po­de (e de­ve). Há vo­tos nes­se sen­ti­do de Cel­so de Mel­lo e Gil­mar Men­des.

No ano de 2015 o te­ma vol­tou pa­ra a pau­ta do STF pa­ra se sa­ber se Dil­ma po­de­ria ser in­ves­ti­ga­da por de­li­tos fo­ra das fun­ções. O Pro­cu­ra­dor-Ge­ral da Re­pú­bli­ca de en­tão (Ja­not) dis­se não e o mi­nis­tro Te­o­ri acei­tou a te­se.

Es­se po­si­cio­na­men­to de de­fe­sa sis­tê­mi­ca do sis­te­ma cor­rup­to ti­nha que ser re­vis­to. E foi. Fa­chin e Ra­quel Dod­ge aca­bam de man­dar in­ves­ti­gar Te­mer por cri­mes ocor­ri­dos an­tes das su­as fun­ções. Es­tá cor­re­ta es­sa de­ci­são, que de­ve va­ler pa­ra to­dos os pre­si­den­tes (se­ja de es­quer­da, de cen­tro ou de di­rei­ta).

Sem in­ves­ti­ga­ção as pro­vas se per­dem, os tes­te­mu­nhos de­sa­pa­re­cem, a for­ça da lei es­mo­re­ce. In­ves­ti­ga­do não é “pro­ces­sa­do”.

O ce­ná­rio de im­pu­ni­da­de dos po­de­ro­sos, com a La­va Ja­to, es­tá, aos pou­cos, se trans­for­man­do. Te­mos que lu­tar ar­do­ro­sa­men­te pa­ra fa­zer va­ler o im­pé­rio da lei pa­ra to­dos (so­bre­tu­do pa­ra os do­nos clep­to­cra­tas do po­der).

O pre­si­den­te se­rá in­ves­ti­ga­do pe­los atos de­la­ta­dos pe­los exe­cu­ti­vos da Ode­brecht.

O que es­tá pre­vis­to no art. 86, § 4º, da CF, é uma imu­ni­da­de tem­po­rá­ria do che­fe de Es­ta­do. Tra­ta-se de uma imu­ni­da­de pro­ces­su­al, não in­ves­ti­ga­tó­ria. In­ves­ti­ga­dos to­dos po­de­mos ser, quan­do há in­dí­ci­os mí­ni­mos de uma in­fra­ção pe­nal.

A imu­ni­da­de tem­po­rá­ria do Pre­si­den­te da Re­pú­bli­ca não sig­ni­fi­ca im­pu­ni­da­de per­pé­tua (co­mo a do rei da Es­pa­nha, por exem­plo). In­ves­ti­ga-se o fa­to e pro­ces­sa-se o pre­si­den­te de­pois de ces­sa­das su­as fun­ções.

O sis­te­ma re­pu­bli­ca­no é ab­so­lu­ta­men­te in­com­pa­tí­vel com o prin­cí­pio da ir­res­pon­sa­bi­li­da­de pe­nal ab­so­lu­ta do Pre­si­den­te da Re­pú­bli­ca. O Bra­sil é uma re­pú­bli­ca, não uma mo­nar­quia. Te­mer é pre­si­den­te, não rei do Bra­sil. Vi­ve­mos uma de­mo­cra­cia, não uma aris­to­cra­cia blin­da­da.

Não exis­tem po­de­res ili­mi­ta­dos na Re­pú­bli­ca. Fa­lar de Re­pú­bli­ca é fa­lar de res­pon­sa­bi­li­da­de (de to­dos). Até o Pre­si­den­te da Re­pú­bli­ca é sú­di­to das leis vi­gen­tes.

O prin­cí­pio re­pu­bli­ca­no exi­ge que o po­der cor­rup­to no Bra­sil se­ja pas­sa­do a lim­po (des­de a ra­iz).

In­ves­ti­gar um pre­si­den­te de­la­ta­do por cri­mes fo­ra das su­as fun­ções não é a mes­ma coi­sa que abrir “pro­ces­so” con­tra ele. A in­ves­ti­ga­ção de­ve ser fei­ta e ir fun­do, pa­ra pro­mo­ver den­tro do or­de­na­men­to ju­rí­di­co o im­pé­rio da lei con­tra to­dos.

 

(Lu­iz Flá­vio Go­mes, ju­ris­ta e cri­a­dor do mo­vi­men­to Que­ro Um Bra­sil Éti­co. Es­tou no lu­iz­fla­vi­o­go­mes.com)


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