Tirem de nossa avenida o nome de um ditador!
Diário da Manhã
Publicado em 1 de abril de 2017 às 01:46 | Atualizado há 8 anos“Vai passar, pela avenida um samba popular!”
Chico Buarque
“A praça Castro Alves é do povo como o céu é do avião “
Caetano Veloso.
“Hoje eu acordei e com saudades de você . Beijei aquela foto que você me ofertou. Sentei naquele banco da pracinha só porque, foi lá que começou o nosso amor”
Ronnie Von.
Muitos são os escritores, poetas e músicos que já cantaram em versos e prosas, com ricas letras, suaves melodias ou exuberantes harmonias, as belezas de ruas, praças e avenidas de suas cidades. “Triste o país que precisa de heróis”, escreveu o escritor, dramaturgo e poeta Bertolt Brecht.” Mas, como classificar, então, uma cidade que nem conhece seus verdadeiros heróis e que coloca em suas ruas, praças, avenidas e até em colégios os nomes de verdugos da história, de anti-heróis da Pátria? Como nos esquecermos disso quando, no dia em que são completados 53 anos do Golpe Militar no Brasil, o goianiense corta a sua cidade numa ampla e bela via que leva o nome de Avenida Castelo Branco?
Na administração do prefeito petista Pedro Wilson (2001/2004), que atuou nos movimentos estudantis de resistência à Ditadura Militar, nas décadas de 60/70, foi construído um monumento em homenagem às vítimas desse tempo de terror em Goiás. Mas, inaugurado já no final da sua gestão, duas outras governanças municipais já se passaram e até hoje, nenhuma placa foi colocada no local daquela “Bola de Aço”, para identificar aos que passam no entroncamento da Rua 26 com a Avenida Assis Chateaubriand, que ali se reverencia verdadeiros heróis goianos – os 15 mortos ou desaparecidos pela Ditadura Militar em Goiás:
- Arno Reis
- CassemiroLuis de Freitas
- Divino Ferreira de Souza
- Durvalino de Souza
- Honestino Monteiro Guimarães
- Ismael Silva de Jesus
- James Allen Luz
- Jeová de Assis
- José Porfírio de Souza
- Márcio Beck Machado
- Marcos Antônio Batista
- Maria Augusta Thomaz
- Ornalino Cândido
- Paulo de Tarso Celestino
- Rui Vieira Bebert
Ainda hoje, em Goiânia, uma das maiores avenidas da Capital homenageia Humberto de Alencar Castelo Branco, general cearense que foi um dos articuladores e o primeiro presidente da Ditadura Militar instaurada no Brasil pelo Golpe de 1964. Mandou prender, seqüestrar e torturar lideranças estudantis, religiosas e dos partidos e movimentos de esquerda e centro-esquerda que davam sustentação ao projeto das Reformas de Base do governo João Goulart. Foi ainda autor do Ato Institucional nº 2, que aboliu o pluripartidarismo, cassou mandatos e criou a eleição indireta. Na política externa, ficou conhecido pelo início da política de “entrega” do Brasil aos Estados Unidos.
Será que falta inspiração poética aos nossos vereadores ou é mesmo desconhecimento histórico e total ausência de consciência política sobre os males que a Ditadura Militar, implantada no Brasil em 1964, trouxe ao nosso país e ao nosso Estado? Será que ainda hoje os políticos goianienses desconhecem as marcas dos coturnos nas costas dos jovens líderes estudantis que ousaram sonhar com a democracia, que não desistiram da esperança e da fé na construçãao de uma sociedade mais humanizada, onde todos e todas tenham direito ao pão e ao mel? Passados 53 anos daquele maldito Golpe Militar, que castrou toda uma geração de políticos por vocação, as seqüelas ainda podem ser vistas nas nódoas da política atual, comandada por políticos por profissão, que não têm um amor pelo coletivo, mas apenas projetos pessoais.
Rubem Alves, para mim um dos pensadores modernos mais importantes dos últimos tempos, escreveu um belíssimo texto – Sobre Política e Jardinagem -, para falar aos formandos de uma faculdade que chamaram-no para apadrinhar sua turma. Disse ele, entre outras coisas, que o político por vocação é um apaixonado pelo “grande jardim para todos”. O amor do político por vocação é tão grande, segundo Rubem Alves, que ele abre mão do pequeno jardim que poderia plantar para si mesmo: “De que vale um pequeno jardim se à sua volta está o deserto? É preciso que o deserto inteiro se transforme em jardim”. Mas, ele próprio esclareceu: “Vocação é diferente de profissão. Na vocação a pessoa encontra a felicidade na própria ação. Na profissão o prazer se encontra não na ação. O prazer está no ganho que dela se deriva. O homem movido pela vocação é um amante. Faz amor com a amada pela alegria de fazer amor. O profissional não ama a mulher. Ele ama o dinheiro que recebe dela. É um gigolô.”
Ao fazer uma homenagem a um político, dando-lhe seu nome a um logradouro público qualquer, a intenção é, também, transformá-lo em exemplo.Por que não homenagear, então, o líder estudantil Honestino Guimarães, símbolo da resistência a essa mesma Ditadura, goiano nascido em Itaberaí e que neste último dia 28 de março estaria completando 70 anos de idade? Honestino foi um dos maiores líderes estudantis brasileiros e, também neste dia 28 passado teve seu nome homenageado pela Universidade de Brasília, com o lançamento de um livro escrito pela professora aposentada da Universidade da Paraíba, Betty Almeida, que resgatou a vida e a paixão do grande líder estudantil, pesquisando e conversando com parentes, amigos e companheiros de vida e de lutas de Honestino. E, segundo ela própria, resgatar a história, a verdade, é, mais que nunca importante, “como estímulo aos que, ainda hoje, lutam por uma sociedade menos injusta e desigual”.
Daniel Faria, em artigo com o nome “Honestino Guimarães”, começou a escrevê-lo citando Bertold Brecht – Triste o país que precisa de heróis. E continuou: “Honestino Guimarães é um dos símbolos recentes na história política brasileira. (…) Mas o passado de que Honestino faz parte não é o passado adormecido dos relógios e das enciclopédias; é um passado que sentimos em nossa carne, um passado que nos inquieta, um passado presente. Honestino caçado, Honestino desaparecido. Mas também Honestino solidário, lutador, idealista. Por isso sua figura nos assombra, um líder estudantil cujas únicas armas eram as palavras, no discurso, nas pichações. Mais um líder assassinado. Por que ele não fugiu? Por que a ditadura foi tão cruel com um estudante comum?
Honestino foi um exemplo de amor à liberdade. A ditadura queria matar o exemplo, mas ainda hoje o nome de Honestino é símbolo de luta e resistência. Foi preso várias vezes por ações como pichar muros, participar de manifestações e distribuir panfletos contra o governo. A primeira, em fevereiro de 1966, durante uma greve; em fevereiro de 1967, fazendo pichações; em abril de 1967, durante manifestação na Biblioteca Central da UnB: em agosto daquele ano, na prisão pela quarta vez, foi eleito presidente da Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília (Feub); em 29 agosto de 1968, a UnB foi invadida para que se cumprisse um mandado de prisão contra ele e outras lideranças estudantis. Dois meses antes de concluir o curso de Geologia, foi excluído da universidade. Ainda assim, foi eleito vice-presidente da UNE em 1969 e em 1971 foi eleito presidente. Desapareceu em 1973.
Senhores vereadores de Goiânia, tirem da avenida de nossa cidade o nome de um ditador! Respeitem a nossa história e nossos verdadeiros heróis!
Ou sejam apenas um pouco poetas!
(Laurenice (Nonô) Noleto Alves, jornalista, escritora, diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de Goiás e integrante da sua Comissão da Verdade, Memória e Justiça, além de artesã licoreira e culinarista)