Opinião

Trabalho e depreciação do ser: a que ponto chegamos?

Redação

Publicado em 5 de outubro de 2015 às 23:08 | Atualizado há 10 anos

– Mãe, ela  inteligente?

– Não, meu filho. Ela não é inteligente, ela é esforçada.

Como proletariada que sou, ouvi calada, emitindo um sorriso suave que segurou meu discurso de indignação. Se eu emiti algo, talvez tenha sido uma manifestação bovina, como diz Leandro Karnal.

Essa frase jamais saiu da minha mente. Todos os animais são providos de inteligência, por que não eu? Claro! Porque sou uma trabalhadora, porque não tenho nada além do que a minha força de trabalho, e desprovida de um saber intelectual, nada posso fazer do que me esforçar para tentar executar minhas tarefas e poder me comunicar com meus superiores, gênios, é claro.

Não ter inteligência, aliás, não ser considerada como alguém que tenha, reforça o pensamento burguês e da insana classe média de que nós somos meros objetos para uso e descarte.

Utilizam do exército de reserva, que eles nem devem conhecer o termo, para nos pressionar dizendo que se não fizermos nossos deveres direito, tem muitas, mas muitas pessoas que estão loucas para fazê-los.

Aproveitam seu mau humor para procurar defeitos nos trabalhos dos outros, que eles nem são capazes de fazer, e então poder desabafar com berros e sair pisando duro.

Não sabem conversar. Gritam! E por mais que você concorde e aceite, eles continuam a falar porque são eles quem mandam e só vão terminar o discurso quando quiserem.

Sim, não somos nada mais do que peças em suas mãos, e estamos no tabuleiro porque precisamos do dinheiro para viver. Mas o que pensar de pessoas que precisam humilhar os outros para se mostrar dominantes? Só ser patrão não seria o suficiente?

Não é brincando que às vezes falo que estou indo à senzala. Claro, existem infinitas diferenças. Mas a sensação, porque ainda que livre, é que somos feitos de escravos por pessoas que nos chicoteiam com palavras. Palavras esbravejadas, distorcidas, mal usadas.

Pessoas que mentem, que tentam te humilhar, te boicotar. Diante de tanta informação, da globalização, da mudança de tratamento do empregado para colaborador, para que ele se sinta mais feliz, ainda que explorado, existem muitos locais que tratam os funcionários como objetos que tentam se esforçar para funcionar.

E, acredito, imaginam que tenhamos algum sensor para que funcionemos à base de decibéis ou por intensidade de depreciação.

Sou uma pessoa inteligente e esforçada, como todos. E eles, o que são? Não me atrevo a algum adjetivo, mas imagino que esses tipos de patrões tenham sido muito mimados ou possuam algum tipo de frustração. Talvez vivam em um outro mundo e, como diz Marilena Chauí, acreditam que todos devem seguir o seu padrão, assim como na empresa. O resto do mundo é errado se não se encaixa em seus princípios, em seu tipo de roupa e penteado.

Eu, felizmente ou não, não me encaixo nesse quebra-cabeça. Mas como foi bem perceptível, juro que me esforço, mas não é para tentar me encaixar. É para tentar permanecer no local de trabalho e receber o salário mal pago no fim do mês. Para ficar sorrindo, ainda que com soluços parados na garganta, para não ter que ouvir que não são obrigados a olhar para a minha cara feia.

Espero que não existam tantos lugares assim, como imagino. Mas espero ainda mais que eles deixem de existir.

 

(Suellen Mara de Lima Couto, acadêmica do 5º ano de Ciências Econômicas da UEG, Campus Itumbiara)


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