Opinião

Traição em política

Redação DM

Publicado em 21 de junho de 2016 às 02:22 | Atualizado há 9 anos

Creio ser oportuno o atual momento político para discutirmos o ato de trair. Rememoremos a figura de alguns traidores devidamente registrada pela história. O mais famoso deles foi, sem dúvida, um dos doze apóstolos de Jesus Cristo: Judas Iscariotes. Este, de acordo com os evangélicos canônicos, entregou nosso salvador aos seus captores por trinta moedas de prata. Pouco depois, desesperado, Judas se enforcou condenando-se, assim (de acordo com a crença católica e hebraica), ao inferno. O nome de Judas se tornou sinônimo de traição.

“Até tu, Brutus, meu filho”, assim se expressou o poderoso general Júlio Cesar, responsável pela expansão do mais organizado império da história — o Romano —, no momento que caiu em desgraça e foi assassinado, em pleno Senado, por 60 de seus congêneres. Nessa hora, Júlio Cesar reconheceu, entre seus assassinos, um rosto que lhe era próximo e familiar: de seu filho adotivo e sobrinho, Brutus. Brutus foi, sem dúvida, outro notório traidor devidamente registrado pela história.

A história brasileira também é repleta de traidores. Quem não se lembra do mais famoso deles, Silvério dos Reis, este traidor da Inconfidência Mineira que levou Tiradentes à forca? Silvério dos Reis foi um falido fazendeiro e proprietário de minas, não traiu como Judas, por trinta moedas de prata, mas pelo fato de a coroa portuguesa ter perdoado os impostos que devia. Dá no mesmo o motivo da traição. A imagem de traidor da Inconfidência Mineira acompanhou Silvério dos Reis pelo resto da vida.

Posto isso, falemos do atual momento da política brasileira. Neste, é oportuno rememorarmos um dos mais famosos ditados da vida pública: de que a política adora uma traição, mas é implacável com os traidores. E o que não faltou no impedimento da presidente Dilma Rousseff foi gente pulando a cerca: “20 deputados executaram a cerimônia de beija-mão do vice”, assim relatou a Revista Época na manhã seguinte, na residência de Michael Temer.

Lá não faltou o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab e o deputado  Leonardo Picciani, ferrenhos aliados da presidente deposta. Mudaram no momento certo, na hora certa. Exerceram o ato da traição sem traírem o sistema por dentro. Convenhamos: ato até certo ponto aceitável, dependendo do caráter de quem julga. Entendo esse ato ser típico daqueles políticos que encaram a política como um mero jogo pelo poder e que caracteriza  aqueles que não se preocupam com biografias. Eis aí o retrato daquilo que nos fala o professor da Universidade de Harvard , Roberto Mangabeira Unger, em seus escritos: “o culto à esperteza” inerente à política brasileira. A arte da política até perdoa esse tipo de traição.

O que a política não perdoa mesmo são aqueles que traem o sistema por dentro. Nesse sentido, o ex-senador Delcídio Amaral (cassado por unanimidade por seus pares) e o ex-presidente da transpetro Sérgio Machado estão literalmente riscados do mapa político. “É um delator, cretino, bandido da mais alta periculosidade”, assim se referiu impiedosamente o senador Cássio Cunha Lima a Sérgio Machado.

Encerro este artigo com uma reflexão pessoal a respeito do atual momento: tenho uma visão de mundo diversa da senadora Kátia Abreu, mas não posso deixar de reconhecer que ela foi leal à presidente Dilma Rousseff. Talvez pague um preço por essa atitude que, sem dúvida, engrandece-a pelo fato de não ter traído.

 

(Salatiel Soares Correia, engenheiro, bacharel em Administração de Empresas, mestre em Planejamento Energético. É autor, entre outras obras, de Cheiro de Biblioteca. Obras e personagens que fazem a nossa história. E-mail: [email protected])


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