Três garrotes na economia brasileira
Diário da Manhã
Publicado em 20 de março de 2018 às 00:21 | Atualizado há 7 anos
A economia brasileira vai mal, neste momento de dificuldades de crescimento global e de turbulências financeiras mundo afora: está de joelhos.
Mas o que está sendo feito no país, em termos de política econômica e de reformas estruturais, sob o argumento de que o problema central é o desequilíbrio fiscal, ao invés de permitir que ela se levante, vai derrubá-la de vez. De fato, três garrotes a estão sufocando, com potencial para prostrá-la de vez.
O primeiro garrote é o estreitamento do mercado interno, produzido pela redução da massa salarial (menos empregos e salário médio menor), pelo encolhimento das políticas sociais (deixando os que delas dependem com menor acesso ao consumo), e pelo estancamento do crédito ao consumidor (mais exigências diante da ameaça de inadimplência e aumento da taxa de juros do subsetor). A demanda, determinante do crescimento do PIB, passa a depender mais fortemente das exportações, que, para os bens produzidos pelo Brasil (algumas commoditiese alguns semimanufaturados), não oferecem condições exuberantes, além de serem muito sujeitas a ciclos. Ademais, essa dependência oferece elevado risco diante da fragilidade da taxa de câmbio em cenários de forte incerteza, como o atual. Sem um mercado interno robusto, o Brasil ficará, como sempre, (com exceção do período pré-crise de 2008) sujeito a humores e expectativas externos, sobre os quais não tem qualquer controle.
Do lado da demanda, o primeiro garrote é arrochado pela redução das despesas do governo, às voltas com quedas sucessivas na receita tributária e imposição de drásticos cortes orçamentários, não só nas políticas sociais, mas também nos investimentos públicos.
O segundo garrote refere-se às condições de financiamento dos investimentos privados, necessários para a retomada e sustentação do investimento, quando as expectativas melhorarem e os empresários se animarem. No Brasil o BNDES é o financiador quase único dos investimentos, pois o sistema bancário é parcimonioso nessa área, preferindo abocanhar os elevados ganhos que auferem emprestando para o consumo e para o capital de giro, com taxas de juros estratosféricas. Assim, grandes projetos dependem do BNDES, e o seu Finame auxilia as pequenas e médias empresas, os bancos comerciais fazendo a intermediação. Tudo isso com dinheiro, também, do FGTS e do PIS/Pasep (algo em torno de 30% do todo), emprestado pelos trabalhadores a uma taxa de juros módica. A redução desse fundo, por conta da queda no nível de emprego e de sua precarização galopante, que produz menores volumes de recolhimento do FGTS, enfraquece o BNDES, ao mesmo tempo em que medidas recentes tendem a elevar a taxa de juros delongo prazo, com que ele trabalha. Os problemas daí decorrentes serão sentidos no momento em que, animada para investir, a economia brasileira deparar com falta de oferta de crédito para a aquisição de máquinas e equipamentos e para a construção ou ampliação das plantas industriais.
O terceiro garrote relaciona-se à energia. O tratamento que está sendo dispensado à Petrobras tornará o Brasil altamente vulnerável ao crescimento da demanda por esta fonte energética, pois o controle sobre produção, estoques e preços, pelo governo, vai desaparecer e, que ninguém se iluda, quando a economia global sair do poço, pode, sim, eclodir outra crise do petróleo, contra as quais os beneficiados pela derrocada da Petrobras estão se precavendo.
Além do equívoco no subsetor petróleo, o Brasil comete outro, com o tratamento que tem dado ao subsetor de energia elétrica. Ao retomar o crescimento, poderá enfrentar não só apagões, mas também o oportunismo dos investidores estrangeiros que estão se apossando, silenciosamente, da infraestrutura do setor: de relativamente barata, por conta da abundância de fontes, a energia elétrica poderá se tornar muito cara, principalmente com os atuais esquemas que tornam os preços dependentes da relação entre oferta e demanda.
Quem está garroteando assim a economia brasileira? Em benefício de quem? É o Estado o vilão? É o equilíbrio fiscal a causa de tudo isso? Não terá, de fato, tudo isso que está acontecendo, relação com a geopolítica mundial?
(Valdemir Pires, economista, professor e pesquisador da Unesp)